A cobertura especial d’A Feira do Livro, que acontece de 14 a 22 de junho, é apresentada pelo Ministério da Cultura e pela Petrobras
MINISTÉRIO DA CULTURA E PETROBRAS APRESENTAM

A FEIRA DO LIVRO 2025,
Vivências negras, literatura latino-americana, alimentação e 451 MHz ao vivo encerram A Feira do Livro
Lázaro Ramos, Pedro Mairal, Cidinha da Silva, Marília Garcia, Neide Rigo e Bela Gil estiveram no último dia da edição 2025 do festival literário paulistano
22jun2025O último dia d’A Feira do Livro 2025 teve conversas sobre vivências negras, literatura latino-americana, poesia, alimentação, política, e um episódio do 451 MHz, podcast da Quatro Cinco Um. Entre os convidados deste domingo (22) estavam Lázaro Ramos, Pedro Mairal, Cidinha da Silva, Marília Garcia, Neide Rigo e Bela Gil.
As vivências da população negra apareceram em vários debates, como na mesa Na nossa pele, que reuniu o ator e escritor Lázaro Ramos e o teólogo carioca Ronilso Pacheco, com mediação de Adriana Ferreira Silva.
Ramos, que lançou recentemente Na nossa pele: continuando a conversa, sequência de seu best-seller Na minha pele, ambos publicados pela Objetiva, disse que embora a arte chame a atenção para questões raciais fundamentais, como a representatividade, também lida com um mundo que parece querer pôr a emancipação negra o tempo inteiro em xeque.
“Quando penso que chegou o momento em que vamos conseguir debater alguns assuntos, ampliá-los, vêm movimentos que chamam o que estamos fazendo de identitarismo, numa tentativa de silenciar uma discussão importantíssima para o desenvolvimento do nosso país. Isso atrapalha a emancipação”, afirmou o ator, aplaudido pela plateia em vários momentos.
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Já a mesa A obra de Sueli Carneiro como método pedagógico reuniu a escritora Cidinha da Silva e a educadora e ativista Bel Santos Mayer. O novo livro de Silva, Só bato em cachorro grande, do meu tamanho ou maior (Rosa dos Ventos, 2025), com lançamento previsto para 30 de junho, compartilha o que a autora aprendeu em seus quase quarenta anos de convivência com a filósofa e ativista antirracista Sueli Carneiro.
Para Cidinha da Silva, é preciso mais diálogo geracional entre os mais jovens e os nomes cujo trabalho foi crucial para conquistas em termos de direitos humanos e políticos de grupos subalternizados no Brasil. “Temos poucas pontes geracionais, bem menos do que precisamos e merecemos”, afirmou.
As consequências históricas da escravidão e a necessidade de buscar formas de reparação foram o tema da conversa entre a historiadora e professora Luciana da Cruz Brito e a jornalista e escritora Bianca Santana, com mediação da tradutora e editora Fernanda Sousa, na mesa Reparação: memória e reconhecimento. O papo foi motivado pelo lançamento do livro de mesmo nome, publicado pela editora Fósforo, que é resultado de um seminário organizado por Brito junto ao Instituto Ibirapitanga.
Já a mesa Por que gritamos começou com uma provocação: “A quem serve sua calma? Porque se serve para engolir sapo e aguentar relacionamentos abusivos, você não precisa de calma, e sim de um belo grito”. Foi o que perguntou a autora baiana Elisama Santos, que conversou com a jornalista Tatiana Vasconcellos sobre seu novo livro, Ensaios de despedida (Record), e assuntos que orbitam a trama, como maternidade, trabalho do cuidado e desigualdade de gênero.
Literatura e poesia
O argentino Pedro Mairal, que lançou no evento sua coletânea de crônicas Fogo nos olhos (Todavia, 2025, tradução de Livia Deorsola), encerrou a programação no Palco Petrobras numa inspiradora conversa com a jornalista e apresentadora Roberta Martinelli.
“Fazer literatura não é matar elefantes na África como fez Ernest Hemingway, mas prestar atenção à vida que acontece ao seu redor o tempo todo”, disse o autor de A uruguaia (Todavia, 2018, tradução de Heloisa Jahn). O mais importante para a escrita, disse, é ter um radar sensorial capaz de traduzir o mundo em palavras. “É aí que aparece a vida no texto”.
A poesia marcou presença com uma edição especial do podcast 451 MHz, com apresentação da colunista do programa, Bruna Beber, que conduziu uma conversa com a poeta e tradutora Marília Garcia sobre seu novo livro, Pensar com as mãos (WMF Martins Fontes). Foi a primeira vez que o podcast teve uma edição gravada ao vivo com a participação da plateia.
Garcia contou que é ouvinte assídua do programa e falou sobre a origem de seu lançamento, que sai na coleção Errar Melhor, dirigida pelo escritor Joca Reiners Terron, com textos dedicados a pensar a escrita.
Poeta e tradutor renomado, Leonardo Fróes voltou ao festival literário neste domingo (22), depois de sua aplaudida participação no sábado, para falar mais detidamente sobre sua outra grande paixão: a natureza. O mote era Natureza: a arte de plantar (Cepe, 2021), volume organizado pelo professor Vitor da Rosa que reúne parte das centenas de colunas que publicou durante as décadas de 70 e 80 no extinto Jornal do Brasil, mais tarde reproduzidas em outros veículos.
“A vida na cidade é só um fragmento da vida no planeta”, disse o poeta, que nos anos 70 trocou a vida nas grandes cidades onde viveu, como Nova York, Paris e Berlim, por um um sítio na zona rural de Petrópolis (RJ), onde vive até hoje cercado por árvores frutíferas e espécies nativas.
Alimentação
A nutricionista e pensadora da comida Neide Rigo, uma referência em Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs), dedicou parte de sua trajetória à pesquisa sobre o cultivo e o uso culinário desses vegetais, presentes nas ruas das cidades, mas desconhecidos da população. A autora de Comida comum (Ubu, 2024), disse, no entanto, não incentivar que as pessoas substituam sua alimentação por PANCs ou que comam tudo o que encontram nas ruas.
Sua intenção é mais simples: mostrar que é possível ter uma alimentação mais biodiversa. “Independentemente do que se vai fazer com esse conhecimento, é importante que observemos as plantas que existem mesmo em uma cidade como São Paulo, com tanto cinza”, afirmou, na mesa mediada pela jornalista Isabelle Moreira Lima. “Só temos a ganhar.”
Já a mesa Nhemongarai e Avaxi: crônicas da vida guarani mbya, que aconteceu no Espaço Motiva Tablado Literário, reuniu dois escritores indígenas de peso: Olívio Jekupé, autor de mais de vinte livros, e sua filha Kerexu Mirim, professora e educadora que ficou conhecida por ter publicado seu primeiro livro aos nove anos de idade. Os dois lançam agora Nhemongarai e Avaxi: crônicas da vida guarani mbya pela editora FTD, em que relatam como acontece a Nhemongarai, a cerimônia de nomeação de crianças e purificação de sementes e alimentos, assim como de Avaxi, a história do milho, um alimento sagrado que é a base da alimentação do grupo.
Futebol
O futebol também animou o domingo d’A Feira, com duas partidas disputadas por autores no estádio da Mercado Livre Arena Pacaembu. Em vez de grandes craques, o evento levou para o gramado jogadoras e jogadores menos acostumados às chuteiras — mas nem por isso o que se viu em campo deixou de ser emocionante.
Em uma partida feminina e outra masculina, escritoras, escritores, editores, jornalistas e outros convidados do festival literário paulistano levaram para o estádio, aberto ao público, o clima de confraternização em torno dos livros que marcou o evento. Tanto a partida feminina quanto a masculina terminaram empatadas em 2 a 2, com recuperações empolgantes dos times que estavam atrás no placar e boas risadas para quem estava dentro e fora de campo.
Política
O professor de direito constitucional Conrado Hübner Mendes criticou o que chamou de “narrativa heroica” que se criou sobre o Supremo Tribunal Federal ter salvado a democracia brasileira depois dos anos Bolsonaro. “O STF é um jogador, como muitos outros. Claro que ele está num papel importante, mas ele também está se atrapalhando, se tornando cada vez mais frágil. Ele, sozinho, não salva democracia nenhuma”, afirmou Hübner em conversa com o jornalista Eduardo Sombini, na mesa O discreto charme da magistocracia, que lotou o Tablado Literário Mário de Andrade.
“A democracia não está salva, o que aconteceu foi uma tentativa de golpe que não deu certo”, argumentou. “É de se elogiar que esse processo está dando sinais de que, de fato, vai ter sanção penal para a cúpula do plano de golpe. Por esse lado, o STF ajudou a proteger a democracia, que está e sempre estará em permanente ameaça. Para mim, essa é a premissa. A narrativa heroica salvacionista não faz o menor sentido. Ajudou em 2023, continua a ajudar e tem a responsabilidade — mas não faz mais que a obrigação.”
Do Haiti a Gaza
A primeira mesa do Espaço Motiva Tablado Literário do domingo não foi sobre livros ou literatura. A jornalista Laís Meneguello Bressan e o geógrafo Wisnel Joseph apresentaram O Haiti Também É Aqui, podcast com seis episódios que conta a trajetória da imigração de Joseph para o Brasil e a história da revolução haitiana. O primeiro episódio aborda a falsa memória coletiva que há no Brasil sobre o país caribenho: de que lá só há miséria.
“Eu entendo que a culpa não é do indivíduo que fala isso, mas é um projeto que foi construído para vender o Haiti só dessas coisas ruins. A revolução que o Haiti fez não ficou bonita de contar aos olhos dos colonizadores”, disse Joseph.
Intercalando leitura de poemas como “Como eu me tornei” e “Massacre”, presentes no livro Você deu em pagamento o meu país (Ars et Vita, 2025, tradução de Alexandre Chareti), e perguntas sobre sua obra, o poeta sírio-palestino Ghayath Almadhoun voltou a participar de um encontro d’A Feira no Tablado Literário Mário de Andrade.O espaço ficou cheio para ouvir Almadhoun falar sobre a causa palestina e o quanto isso influenciou seus escritos. “Eu sempre digo que escrevo poemas de amor na forma de pesadelos”, disse.
O cinema, a cultura popular e o design também tiveram espaço na programação dos tablados. Em comemoração à semana do Cinema Nacional, o Tablado Literário Mário de Andrade reuniu Leandro Pardi, da Spcine, Tatiana Rodrigues, gestora da Biblioteca Municipal Roberto Santos, e Carol Rodrigues, roteirista e diretora. Os três conversaram sobre o diálogo entre literatura e cinema, e citaram adaptações literárias como O auto da compadecida, A hora da estrela e Ainda estou aqui.
No Espaço Motiva Tablado Literário o público assistiu à leitura de Giraflor e outros jequitinhonhas (FTD, 2024), de Gildásio Jardim e Heloísa Pires Lima. “Esse é um livro que começa ao contrário. Conheci o trabalho artístico do Gildásio Jardim e comecei a escrever inspirada nas pinturas dele. O livro começou com a arte dele, depois veio a escrita”, disse Heloísa. “Para mim foi uma honra ver uma pessoa ‘lendo’ as minhas figuras. Eu acredito que a arte só faz sentido para o artista na comunicação com o outro, é isso que nos faz continuar”, disse o artista.
Já na mesa O design pode mudar o futuro?, os arquitetos Paulo Pellegrino e José Paulo Gouvêa discutiram o papel do design para criar novas possibilidades de futuro para as cidades. Pellegrino relembrou que a praça Charles Miller, onde acontece A Feira do Livro, foi construída sobre o córrego Pacaembu e o primeiro piscinão de São Paulo. “Parece que desistimos de conviver com as águas da cidade. Fazer as pazes com as águas faz parte de um projeto de imaginação”, disse.
A história do Brasil que envelhece nas páginas e nos palcos foi mote da mesa História com rugas, que trouxe novamente ao festival a historiadora Mary Del Priore. Ela conversou com o editor Schneider Carpeggiani sobre seu lançamento Uma história da velhice no Brasil (Vestígio, 2025). “Eu não quis dar nenhuma lição de envelhecimento, nem quero digredir sobre palavras ridículas como ‘envelhescência’ e ‘melhor idade’, eu uso ‘velho’ mesmo”, disse. “Eu quis dar voz aos velhos. A nossa literatura é rica em personagens que estão envelhecendo e não sabem lidar com a velhice.”
A quarta edição d’A Feira do Livro 2025 acontece de 14 a 22 de junho, na praça Charles Miller, no Pacaembu. Realizado pela Associação Quatro Cinco Um, pela Maré Produções e pelo Ministério da Cultura, o festival literário paulistano, a céu aberto e gratuito, reúne mais de duzentos autores e autoras do Brasil e do exterior em uma programação com mais de 250 atividades, entre debates, oficinas, contações de histórias e encontros literários. Confira a programação e outras notícias do festival.
A Feira do Livro 2025 · 14 — 22 jun. Praça Charles Miller, Pacaembu
A Feira do Livro é uma realização do Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet – Incentivo a Projetos Culturais, Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos dedicada à difusão do livro e da leitura no Brasil, Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais, e em parceria com a Prefeitura de São Paulo.
Porque você leu A FEIRA DO LIVRO 2025
Quarta edição d’A Feira do Livro celebra, ao longo de nove dias, a literatura e a liberdade
Reunindo milhares de leitores no espaço público, festival literário paulistano entrou para o calendário oficial da cidade e celebrou 40 anos de democracia com mais de 250 atividades gratuitas
JUNHO, 2025