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A cobertura especial d’A Feira do Livro, que acontece de 14 a 22 de junho, é apresentada pelo Ministério da Cultura e pela Petrobras

MINISTÉRIO DA CULTURA E PETROBRAS APRESENTAM

(Nilton Fukuda)

A FEIRA DO LIVRO 2025,

‘Todo livro é um jogo’, diz Carlos Marcelo, autor de ‘O escutador’

Editor-chefe do jornal Estado de Minas mistura realidade e ficção em romance enigmático que apresentou n’A Feira do Livro

15jun2025

Um livro em que não se pode confiar foi tema da mesa O escutador, batizada com o título da obra de Carlos Marcelo, que participou d’A Feira do Livro neste sábado, 14. “A sensação”, disse Paulo Werneck, diretor presidente da Associação Quatro Cinco Um, “é que o único elemento do romance em que o leitor pode confiar totalmente é o colofão, aquele textinho com informações como local de publicação, editora e data de publicação, que em geral aparece nas últimas páginas de um livro.” O autor dessa obra enigmática não rejeitou a afirmação, mas acrescentou que todo livro é em última instância um jogo.

Essa parece ser uma boa descrição para O escutador. Trata-se de um livro dentro de outro: enquanto a sobrecapa aponta um autor, a capa exibe outro. Notas incluídas nos rodapés das páginas, assinadas por uma editora que não sabemos se é ou não ficcional, modificam a narrativa contada pelo narrador. Personagens históricos da literatura brasileira surgem nas páginas com falas que podem — ou não — ter enunciado na vida real.

“Quando lemos um livro, seja ele de não ficção ou de ficção, o que queremos é ouvir uma voz, e que essa voz converse com a gente. É um pacto entre leitor e escritor. Entrar num livro é o mais antigo dos jogos”, disse Carlos Marcelo, que é também editor-chefe do jornal Estado de Minas.

O escritor Carlos Marcelo (Nilton Fukuda)

O formato de O escutador, editado pela Impressões de Minas, só intensifica esse jogo. Até mesmo os seus blurbs (textos curtos impressos na contracapa ou na orelha de um livro para despertar o interesse do leitor) têm um quê de ambiguidade — assinados pelos escritores Sérgio Rodrigues e Maria Esther Maciel, fazem referência ao tal “livro dentro do livro” no centro da trama.

A narrativa é contada em primeira pessoa por Ademir Lins, jovem que vai a Belo Horizonte seduzido pela ideia de morar na capital do estado de escritores como Carlos Drummond de Andrade e Fernando Sabino. Ele logo consegue um emprego como “escutador”, como se chamavam as pessoas contratadas para ouvir e relatar o que estavam desenvolvendo os autores de ficções seriadas populares que faziam grande sucesso nos anos 1940 e 1950. Desse modo, se esses autores desistissem dos projetos, as editoras que os publicavam podiam prosseguir com as séries de forma independente, repassando-as a outros escritores.

Eram os equivalentes brasileiros da pulp fiction estadunidense — Marcelo mostrou à plateia exemplares desses títulos, que ele encontrava na biblioteca do avô quando criança, caso de um “bolsilivro” de faroeste de Miguel “Chucho” Santillana.

Livros brasileiros semelhantes à pulp fiction estadunidense

Apesar dessa memória afetiva, não há muito de O Escutador que se conecte com a trajetória de Carlos Marcelo na escrita.

Verdade que sua produção é, no mínimo, eclética. Antes desse livro, ele publicou a biografia Renato Russo: o filho da revolução (Planeta, 2018); O fole roncou! (Zahar, 2012), investigação sobre as origens do forró; Presos no Paraíso (Tusquets, 2017), um romance policial inspirado em Agatha Christie e ambientado em Fernando de Noronha; e Os planos (Letramento, 2021), cujo cenário é a Brasília em que o autor cresceu.

Questionado sobre o que motivou a escrita de seu último lançamento, ele recorreu, como em diversos outros momentos da mesa, às palavras de outrem. Nesse caso, a epígrafe do livro, retirada de O braço direito, de Otto Lara Resende: “Se eu não escrevesse, já tinha desaparecido”. “Acho que isso resume este e todos os livros. A gente escreve e organiza eventos, edita jornais e revistas porque no fundo não quer que trabalhos importantes desapareçam.”

Exemplar de O escutador, de Carlos Marcelo

A quarta edição d’A Feira do Livro 2025 acontece de 14 a 22 de junho, na praça Charles Miller, no Pacaembu. Realizado pela Associação Quatro Cinco Um, pela Maré Produções e pelo Ministério da Cultura, o festival literário paulistano, a céu aberto e gratuito, reúne mais de duzentos autores e autoras do Brasil e do exterior em uma programação com mais de 250 atividades, entre debates, oficinas, contações de histórias e encontros literários. Confira a programação e outras notícias do festival.

A Feira do Livro 2025 · 14 — 22 jun. Praça Charles Miller, Pacaembu

A Feira do Livro é uma realização do Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet – Incentivo a Projetos Culturais, Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos dedicada à difusão do livro e da leitura no Brasil, Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais, e em parceria com a Prefeitura de São Paulo.

Quem escreveu esse texto

Clara Balbi