
A cobertura especial d’A Feira do Livro, que acontece de 14 a 22 de junho, é apresentada pelo Ministério da Cultura e pela Petrobras
MINISTÉRIO DA CULTURA E PETROBRAS APRESENTAM

A FEIRA DO LIVRO 2025,
Quero convidar pessoas trans e travestis a imaginarem que a literatura é nossa, diz Amara Moira
Em conversa com Renan Quinalha, escritora divertiu o público com a linguagem de resistência e deboche de Neca: romance em bajubá
21jun2025Uma língua que não se ensina em nenhum lugar, mas que se aprende nas ruas e que está em constante evolução. O bajubá ou pajubá, linguagem de resistência de travestis para, entre outras coisas, se proteger da violência e da perseguição policial, divertiu o público na última mesa desta sexta (20), uma conversa entre a escritora Amara Moira e o colunista da Quatro Cinco Um Renan Quinalha.
“Sempre quis ser escritora e, quando comecei minha transição, onze anos atrás, queria colocar esse mundo que eu estava vivendo em palavras, convidar pessoas trans e travestis a imaginarem que a literatura é nossa”, disse a autora de Neca: romance em bajubá (Companhia das Letras, 2024).

Doutora em teoria e crítica literária pela Universidade de Campinas, Moira contou como o romance — um monólogo de 120 páginas de uma travesti mais velha com uma mais nova, que acaba de chegar às ruas, todo em bajubá — espelha sua própria experiência.
Na época em que era aluna do doutorado, a pesquisadora entrou em crise com a academia e, acompanhando uma ex-namorada travesti, começou a frequentar pontos de prostituição da cidade e a ela mesma a fazer programas.
A experiência era descrita num blog, que acabou se transformando em seu primeiro livro, E se eu fosse puta (n-1 edições, 2023). “As pessoas falavam que eu queria ser a nova Bruna Surfistinha, como se fosse fácil. Se você associa seu nome com a prostituição é pro resto da vida, não dá pra apagar. A diretoria da Unicamp me odeia, gente!”, disse, rindo.
Questionada por uma pessoa da plateia como era escolher se prostituir, realidade diferente da maioria das travestis, Moira disse que uma das intenções de narrar o que vivia foi desmistificar a prostituição.
Mais Lidas
“Há registros de travestis se prostituindo desde o século 19. O dinheiro da prostituição foi viabilizando a nossa existência. Não dá para considerar tão tabu. A pior das coisas era uma sociedade que tornava nossa existência crime.”
Bajubá
Nas ruas, como acontece com a personagem de Neca, a escritora teve os primeiros contatos com aquela língua nova, cheia de gírias e expressões em iorubá — resultado da presença de muitas travestis nos terreiros de candomblé e umbanda, religiões que as acolhem.
Na conversa pontuada por muitos desses termos e gírias, em que leu trechos do romance, Moira também observou como a segregação e a violência fizeram a comunidade LGBTQIA+ desenvolver formas de resistência — sendo o bajubá uma delas, em forma de linguagem.
“Um dos aspectos que mais se destacam na minha pesquisa é que a palavra que mais tem sinônimos é aids. Desde a febre, a gripe, a cidinha, a tia Cida, a vitaminada, a menina. Não à toa, já que a aids teve um impacto muito grande na comunidade travesti”, disse.
Moira contou como uma expressão usada em Neca, “a menina bonita com laço de fita” para se referir ao HIV, usa o título de um romance infantojuvenil popular nos anos 80. O tradutor do romance para o inglês, então, traduziu literalmente o título e incluiu uma nota de rodapé, o que a autora recusou. “Mandei ele substituir na hora por um livro americano da mesma época e ele voltou com A lagarta comilona”, contou, provocando risadas da plateia.
“Tem muita tragédia [nas expressões], mas também um ar de deboche. É tanta violência que a gente tem que aprender a rir pra não enlouquecer”, completou.
Adaptações
Ao falar sobre as traduções, a escritora também contou sobre os muitos projetos em andamento sobre a sua obra. Já traduzido para o espanhol, E se eu fosse puta deve ser publicado em breve nos Estados Unidos e, segundo a autora, vem recebendo boas resenhas antes do lançamento.
O livro também deve ser adaptado para um curta documental, com a autora, pela mesma equipe que fez Bixa Travesty, documentário sobre a cantora e atriz Linn da Quebrada. E Neca deve virar uma peça, contou Moira.
“Acho que vai ser uma adaptação difícil porque, ao mesmo que é um texto muito teatral, chama atenção para a palavra e a atuação pode ficar em segundo plano. Mas vai ser feita por uma trava que admiro muito, a Leonarda Glück”, disse ela, se referindo à dramaturga que estava na plateia. “Vocês vão ouvir falar muito nessa peça.”
Moira encerrou sua participação lendo um trecho de “Alice é babado”, poema que escreveu em bajubá.
A quarta edição d’A Feira do Livro 2025 acontece de 14 a 22 de junho, na praça Charles Miller, no Pacaembu. Realizado pela Associação Quatro Cinco Um, pela Maré Produções e pelo Ministério da Cultura, o festival literário paulistano, a céu aberto e gratuito, reúne mais de duzentos autores e autoras do Brasil e do exterior em uma programação com mais de 250 atividades, entre debates, oficinas, contações de histórias e encontros literários. Confira a programação e outras notícias do festival.
A Feira do Livro 2025 · 14 — 22 jun. Praça Charles Miller, Pacaembu
A Feira do Livro é uma realização do Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet – Incentivo a Projetos Culturais, Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos dedicada à difusão do livro e da leitura no Brasil, Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais, e em parceria com a Prefeitura de São Paulo.
Porque você leu A FEIRA DO LIVRO 2025
‘Observei a diferença entre miséria e riqueza. A desigualdade marcou minha escrita’, diz Marilene Felinto
N’A Feira do Livro, a escritora pernambucana falou do elemento de vingança em seus romances e criticou o mercado editorial movido a celebridades e rankings
JUNHO, 2025