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A cobertura especial d’A Feira do Livro, que acontece de 14 a 22 de junho, é apresentada pelo Ministério da Cultura e pela Petrobras

MINISTÉRIO DA CULTURA E PETROBRAS APRESENTAM

(Matias Maxx)

A FEIRA DO LIVRO 2025,

Podcast ao vivo, futebol e muita poesia embalam penúltimo dia d’A Feira do Livro

Foro de Teresina lota a praça, Marina Lima recita Antonio Cicero, Leonardo Fróes emociona plateia, e Mário Prata e Ugo Giorgetti falam de futebol

22jun2025

O penúltimo dia d’A Feira do Livro, neste sábado (21), recebeu uma variedade de atrações: uma versão ao vivo do podcast Foro de Teresina, Marina Lima homenageando seu irmão Antonio Cicero, Mário Prata e Ugo Giorgetti falando de futebol, e Andréa del Fuego e Pedro Bandeira relembrando clássicos da literatura infantojuvenil.

A versão ao vivo do podcast Foro de Teresina foi um dos pontos altos do sábado (21) n’A Feira do Livro. O público disputou o espaço do Palco Petrobras e da praça Charles Miller para assistir aos jornalistas Fernando de Barros e Silva e Ana Clara Costa e ao cientista político Celso Rocha de Barros, na mesa mais cheia do festival literário até o momento. O Foro na Feira contou com dois blocos — o primeiro sobre as eleições de 2026 no Brasil e o segundo sobre o governo de Donald Trump — e uma versão adaptada do quadro “Kinder Ovo”. O público e os convidados também cantaram parabéns para Ana Clara Costa, aniversariante do dia.

O público se aglomera em frente ao telão na praça Charles Miller para acompanhar o Foro de Teresina ao vivo (Matias Maxx)

A política também foi tema de uma conversa esclarecedora sobre a evolução do crime organizado no Brasil, que reuniu um público que extrapolou o espaço do Tablado Literário Mário de Andrade na tarde do sábado. A jornalista Cecília Olliveira, uma das fundadoras do site The Intercept Brasil, e o jornalista e pesquisador Bruno Paes Manso falaram sobre as muitas teias que uniram crime, política e religião nas últimas décadas. 

Questionada pela mediadora, a jornalista Thais Bilenky, Olliveira falou sobre o que faz alguns policiais se tornarem milicianos. “Ao contrário do que se pensa, não vale a pena em termos de dinheiro, mas em honra, respeito, distinção”, contou a autora do recém-lançado Como nasce um miliciano (Bazar do Tempo). Segundo ela, milicianos têm mais dinheiro, poder, conexões políticas e são mais poderosos do que quem comanda o tráfico. “O miliciano está no restaurante em que você está, circulando nos mesmos lugares, e você só não sabe quem eles são.”

Autor de A fé e o fuzil: crime e religião no Brasil do século 21 (Todavia, 2023), Paes Manso falou sobre como o crime organizado vem atuando em diferentes áreas. “Há vinte anos, a ideia de crime aqui no Brasil era um menino com um fuzil. Hoje o crime organizado se internacionalizou e o dinheiro que circula entre facções e milícias alimenta outras frentes, como o crime ambiental, a lavagem de dinheiro com carros de luxo, o setor imobiliário”, disse.

Grandes emoções

Neste sábado, aconteceu ainda um dos momentos mais emocionantes d’A Feira: uma homenagem afetiva ao poeta Antonio Cicero, morto em 2024. Com a participação do compositor, cantor e poeta paraense Arthur Nogueira, da poeta e editora Alice Sant’Anna, da cantora e compositora Marina Lima, irmã de Cicero e sua principal parceira, e mediação da poeta Bruna Beber. 

A mesa Homenagem a Antonio Cicero lotou o Palco Petrobras, com o público se aglomerando em pé nas laterais da tenda. Os convidados deram voz às palavras do próprio Cicero, lendo cada um cinco poemas que escolheram da coletânea Fullgás: poesia reunida, que acaba de ser lançada pela Companhia das Letras. Marina escolheu por começar com o poema que, segundo ela, deu início à longa parceria entre os irmãos, “Canção da alma caiada”, quando ela tinha dezesseis anos e ele, 26, e moravam nos Estados Unidos.

Marina Lima (Flávio Florido)

Outra mesa que emocionou o público foi o Encontro com Leonardo Fróes. O poeta compartilhou sua visão sobre a natureza e a escrita em uma mesa no Palco Petrobras frequentemente interrompida por salvas de palmas na tarde deste sábado. Na conversa com Schneider Carpeggiani, o escritor abordou um capítulo fundamental da sua biografia — a mudança, ao lado da companheira, para um sítio em Secretário, em Petrópolis (RJ), após abandonar um trabalho concorrido em uma editora nos anos 70. 

“Tive o privilégio de poder me dar essa vida, de deixar de ser o profissional que fui, para traduzir dezenas de livros e pagar esse luxo que é poder viver em contato com a natureza”, disse ele, que acabou por se tornar um importante tradutor literário.

Outro autor que foi celebrado foi Machado de Assis, na mesa Feliz Aniversário, Machado de Assis, organizada para comemorar os 186 anos do grande autor brasileiro. Nela, Hélio de Seixas Guimarães falou sobre o desafio colocado hoje para os estudos machadianos, que é entender a experiência de um homem de ascendência africana e europeia vivendo em um Rio de Janeiro luso-afro-brasileiro. 

Especialista na obra do autor, na conversa mediada por Yasmin Santos, o professor da USP falou também contou sobre como foi organizar a coleção dos 26 trabalhos do autor, lançada pela Todavia em março. “O fascínio pelo Machado, e a história das leituras feitas da obra dele mostra isso, não é só uma questão individual, mas, coletivamente, como as mudanças das leituras do Machado vão se transformando ao longo do tempo. Mudam tanto os sentidos da figura do autor Machado quanto da obra dele”, disse.

Futebol

O esporte encerrou a noite deste sábado (21) com uma divertida conversa entre Mario Prata e Ugo Giorgetti na mesa Pelo buraco da fechadura, que foi mediada por Paulo Werneck, diretor geral d’A Feira do Livro e da Associação Quatro Cinco Um. O escritor e o cineasta compartilharam histórias engraçadas envolvendo sua paixão pelo futebol e o ofício de cronista. 

O olhar bem-humorado para episódios curiosos e detalhes muitas vezes considerados desimportantes está sempre presente nos escritos dos autores, de romances como O drible da vaca (Record, 2021), em que Prata mistura pesquisa histórica e inventividade para contar sua versão da origem do futebol, a volumes de crônicas propriamente ditas como o seu Pelo buraco da fechadura (Geração Editorial, 2023), que deu nome à mesa, ou Era uma vez o futebol (Imprimatur, 2025), que traz crônicas e contos de Giorgetti sobre o esporte, que durante o encontro ele chamou de “grande arte popular brasileira.”  

Mario Prata, Ugo Giorgetti e Paulo Werneck (Flavio Florido)

O futebol também estava no festival mais cedo, quando os autores de Na ponta das canetas, que reúne crônicas esportivas premiadas em concursos literários do Museu do Futebol, participaram de uma sessão de autógrafos no foyer do museu. Clelia Gorski, Pedro Henrique Gomes, Leandro Pereira, Mauro Donato e Sergio Gorni de Almeida assinaram exemplares do livro produzido com apoio do Proac e editado pela Patuá, que foram distribuídos gratuitamente. Quem garantiu o seu aproveitou para colocar o papo em dia sobre o bom desempenho dos times brasileiros no início da Copa do Mundo de Clubes, que está sendo disputada este mês nos Estados Unidos.

O futebol ainda comparece no domingo (22), último dia d’A Feira, com duas partidas com autores no estádio da Mercado Livre Arena Pacaembu. Cada partida terá dois tempos de vinte minutos — a feminina começa às 10h15, enquanto a masculina está marcada para às 11h15. Os jogos são gratuitos e abertos ao público, que poderá assistir sentado nas arquibancadas.

Encontros

O penúltimo dia d’A Feira foi também marcado por encontros com grandes autores: Andréa Del Fuego, Beatriz Bracher, Cidinha da Silva, Eduardo Giannetti, Marcelo D’Salete, Marilene Felinto e Pedro Bandeira.

Em conversa com a jornalista Luciana Araujo Marques, a escritora pernambucana Marilene Felinto expressou seu incômodo com eventos literários, rankings do mercado editorial e escritores-celebridades, falou de como a percepção das desigualdades marca sua escrita e comentou sobre a categorização “literatura negra”. 

Já na mesa Infinita, que ganhou o mesmo nome do romance de Camila Maccari publicado em 2024 pela Autêntica Contemporânea, a autora trata da experiência de uma protagonista gorda. Em Mãezinha (Dublinense, 2025), Izabella Cristo se volta a uma mulher que dá à luz a partir da sua própria vivência como mãe e médica em uma UTI neonatal. Nesse debate mediado por Silvana Tavano, as autoras discutiram como o olhar, seja o nosso ou o dos outros, forma e deforma o corpo, a ponto de provocar uma cisão entre nossa identidade e a forma orgânica que nos abriga.

Izabella Cristo, Camila Maccari e Silvana Tavano (Nilton Fukuda)

Já o Encontro com Beatriz Bracher foi uma conversa entre literatura e história. A escritora afirmou que não pretendia escrever a favor ou contra nada ao se lançar na empreitada de publicar uma trilogia de romances sobre a Guerra do Paraguai (1864-70). Mas espera que quem leia os livros “passe a ter horror à guerra, e passe a não ver só o grande, veja o pequeno. Irã, Israel, Gaza, Ucrânia, essas guerras todas, tem um monte de gente passando por isso duzentos anos depois [da Guerra do Paraguai]. Esquecemos que tem gente nas guerras”, disse neste sábado (21) em conversa com o escritor Joca Reiners Terron no Palco Petrobras.

Em Encontro com Eduardo Giannetti, não foi na condição de economista, mas na de estudioso da filosofia, que o escritor participou d’A Feira do Livro para discutir seu livro mais recente, sobre a busca pela vida eterna, com o jornalista Márvio dos Anjos. Lançado pela Companhia das Letras, Imortalidades destrincha os caminhos que os seres humanos teriam encontrado para lidar com o anseio da perenidade ao longo da história. Os mais óbvios desses seriam, é claro, a ciência e a religião. O problema é quando essas alternativas acabam por eclipsar o assombro diante da existência, disse o ensaísta. “A má ciência silencia o mistério [da vida], assim como a má religião o empobrece.”

Na mesa Humano, demasiado humano, realizada no Espaço Motiva Tablado Literário, os escritores Andréa Del Fuego e Caetano Romão refletiram sobre seus processos de escrita e o desafio de construir uma literatura profundamente humana. Del Fuego definiu a escrita como um vício, uma busca constante por concentração. Ela revelou que ficou dez anos sem conseguir escrever entre As miniaturas e A pediatra, até entender que o melhor exercício era escrever como se ninguém fosse ler. Já Caetano, autor de Escrevo seu nome no arroz, falou sobre como a escrita, para ele, entra num lugar de perseguir a si mesmo e de tentar lançar novos olhares sobre os mesmos objetos. 

Tradução e envelhecimento

“Que emocionante ver uma mesa tão cheia para falar sobre tradução!”, começou a editora e tradutora Julia Bussius, mediadora da mesa Quem traduziu o livro que você está lendo?, que reuniu as companheiras de profissão Elisa Menezes, Ligia Azevedo e Rita Kohl, do coletivo Quem Traduziu. Em mais um esforço para fortalecer profissionais da área, as quatro conversaram sobre condições de trabalho, como surgiu o coletivo e de que forma a tradução é também uma atividade autoral.

O envelhecimento é tema de um estudo realizado pela historiadora Mary Del Priore, com seu Uma história da velhice no Brasil (Vestígio), que acaba de ser lançado. Na mesa Envelhecer no Brasil, que teve mediação de Tatiana Vasconcellos e lotou o Auditório Armando Nogueira com gente de todas as idades, a historiadora criticou o que chamou de eufemismos obscenos para descrever essa fase da vida.“Acho obscenas essas palavras que hoje são utilizadas para descrever esse momento da vida da gente, que pode ser muito pleno, mas também é cheio de sofrimentos, a começar pelas pessoas que perdemos nessa idade. ‘Envelhescência’, ‘feliz idade’, acho tudo isso uma grande bobagem.”

(Nilton Fukuda)

Segundo a autora, hoje esquecemos de uma certa coletividade que cercava o ritual da morte. “A morte era um evento social. Todo mundo entrava na casa do doente para assistir o despasse, trepava na janela, abria a porta, cercava a cama. Há todo um ritual que faz com que as pessoas aceitem o que está acontecendo em determinado momento da vida, o que nós hoje esquecemos. Vai tudo para o CTI [Centro de Terapia Intensiva], do CTI para o crematório, depois para o cemitério, onde tem cafezinho e vira jardim. Não tem nem mais cemitério, que foi o grande barato do século 19, inclusive de namoro.”

Para os pequenos

O escritor paulista Pedro Bandeira esteve no Espaço Rebentos, neste sábado (21), ao lado de Andréa Del Fuego, que publicou no ano passado uma nova edição de A sociedade da caveira de cristal, pela editora Escarlate. No bate-papo mediado por Jaqueline Silva, curadora do Espaço Rebentos e assistente editorial da Quatro Cinco Um, os escritores foram recebidos por uma plateia cheia e fortes aplausos. 

Na conversa, afirmaram ver a literatura infantojuvenil como instrumento de libertação para as infâncias. “Entendi que a leitura e a escrita eram o lugar em que eu podia conhecer os meus limites”, disse Del Fuego. Já Bandeira, que escreveu A droga da obediência em 1984, um ano antes do fim da ditadura militar, torce para que a leitura sirva eternamente para eliminar aparatos de repressão: “Eu espero que daqui a quinhentos anos haja alguém que diga ‘é mesmo, ninguém pode me mandar calar a boca! Cala a boca, já morreu, quem manda na minha boca sou eu!’”, disse o escritor, arrancando risadas e palmas do público.

Pedro Bandeira, Andrea Del Fuego e Jaqueline Silva (Camila Almeida)

Ainda no Espaço Rebentos, a escritora e historiadora Cidinha da Silva e o quadrinista e professor Marcelo D’Salete se encontraram na manhã deste sábado (21), para um bate-papo sobre livros para crianças que apresentam saberes ancestrais da cultura afro-brasileira, como O mar de Manu (Yellowfante, 2021), de Silva, e Luanda no terreiro (Companhia das Letrinhas, 2025), de D’Salete. Enquanto apontavam a fabulação como caminho para o diálogo com os pequenos leitores, os dois lembraram que terreiros e a livre manifestação das religiosidades de matriz africana continuam sofrendo ameaças e ataques em todas as regiões do país. “O racismo religioso é a expressão mais torpe do racismo no Brasil de hoje”, disse Silva, que ainda convocou “todas as pessoas envolvidas com a defesa dos direitos humanos” a se engajarem no combate ao preconceito religioso.

A programação infantil d’A Feira deste sábado (21) também levou os pequenos em uma viagem à Era Mesozoica. O paleontólogo Luiz Eduardo Anelli apresentou fósseis, dentes de dinossauros, coprólitos e pegadas para seu bate-papo sobre pterossauros do Brasil no Espaço Rebentos. O dia encerrou com a mesa Histórias que cruzam o oceano, mediada por Rita Kohl, que recebeu as autoras Janaina Tokitaka e Lúcia Hiratsuka. Durante a conversa, as escritoras falaram sobre suas inspirações nas histórias do Japão que as encantaram na infância e desbancaram ideias estereotipadas sobre a cultura japonesa: “A gente não quer ser, soar ou comunicar exótico, que é algo que o mercado já pediu pra gente”, afirmou Tokitaka.

A quarta edição d’A Feira do Livro 2025 acontece de 14 a 22 de junho, na praça Charles Miller, no Pacaembu. Realizado pela Associação Quatro Cinco Um, pela Maré Produções e pelo Ministério da Cultura, o festival literário paulistano, a céu aberto e gratuito, reúne mais de duzentos autores e autoras do Brasil e do exterior em uma programação com mais de 250 atividades, entre debates, oficinas, contações de histórias e encontros literários. Confira a programação e outras notícias do festival.

A Feira do Livro 2025 · 14 — 22 jun. Praça Charles Miller, Pacaembu

A Feira do Livro é uma realização do Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet – Incentivo a Projetos Culturais, Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos dedicada à difusão do livro e da leitura no Brasil, Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais, e em parceria com a Prefeitura de São Paulo.