A cobertura especial d’A Feira do Livro, que acontece de 14 a 22 de junho, é apresentada pelo Ministério da Cultura e pela Petrobras
MINISTÉRIO DA CULTURA E PETROBRAS APRESENTAM

A FEIRA DO LIVRO 2025, Editora 451,
‘O gueto é universal’, diz o poeta Cuti em mesa com Mário Lúcio Sousa
O escritor paulista e o autor cabo-verdiano debateram o conceito de literatura negra e a relação entre música, oralidade e poesia
15jun2025A mesa Conexão afro-atlântica, que abriu as atrações deste domingo (15) n’A Feira do Livro 2025, reuniu o escritor paulista Cuti, pseudônimo de Luiz Silva, que falou da sua antologia poética Ritmo humanegrítico (Companhia das Letras, 2024), e o autor, cantor, compositor e político cabo-verdiano Mário Lúcio Sousa, que está lançando O livro que me escreveu (Solisluna). A conversa teve mediação de Paulo Werneck, diretor-geral do festival literário paulistano.
Além de falarem sobre como a música e a oralidade influenciam na sua produção literária, os dois convidados debateram o conceito de “literatura negra”, mostrando que não há um consenso sobre o termo — sua utilização, disseram, depende principalmente dos contextos geográficos e históricos nos quais é empregado. Se na África a definição não faz muito sentido, pois toda literatura feita no continente é negra, no Brasil ela pode ser importante para demarcar uma identidade política de grupos historicamente oprimidos e invisibilizados.
Ao ser questionado por Werneck sobre o uso do termo, Mário Lúcio respondeu que nem toda literatura escrita por pessoas negras pode ser definida como “literatura negra” — um “gueto”, segundo o escritor cabo-verdiano, nas prateleiras de livrarias e bibliotecas, em comparação à literatura considerada “universal”, feita por escritores brancos, sobretudo europeus ou de ascendência europeia. No entanto, Cuti comentou que estava “seguro, contente e feliz” por existir uma “literatura negra” da qual ele faz parte.
“Um conjunto de autores brasileiros, descendentes de africanos na cor da sua pele, resolveu pôr na literatura sua ancestralidade e suas vivências, que não eram exploradas nem em Guimarães Rosas nem em outros grandes autores”, disse Cuti. “O primeiro a colocar sua subjetividade negra no texto foi Luiz Gama e depois vários outros autores importantes fizeram isso. É o que que chamo de ‘literatura negro-brasileira’, título de um livro que escrevi. Outros chamam de ‘literatura afro-brasileira’”.
Universalidade
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Cuti defendeu que tudo na cultura depende da vontade coletiva. “Se essa vontade não existir, não haverá especificidade de determinadas obras literárias. Isso não significa que a universalidade presente nelas seja retirada.”
“O gueto é universal, faz parte do universo, encontramos uma universalidade ali. Eu não abomino a definição de gueto, e isso é importante para frisar que [o gueto] faz parte do âmbito da literatura e da humanidade”, completou o poeta, um dos fundadores do Quilombhoje, grupo que divulga a literatura negra brasileira desde 1980, e da série Cadernos Negros, que tem mais de quarenta anos.
Mário Lúcio, que já havia participado no sábado (14) da mesa 50 anos de liberdade com os escritores portugueses Fernando Rosas e Lídia Jorge, observou que, na verdade, não havia discordância entre ele e o autor brasileiro. “Cuti é brasileiro e eu sou cabo-verdiano. Em África, não tem ‘literatura negra’, mas Cuti fala de outro lugar, que eu apoio, e estamos juntos nessa luta. A associação do negro à África é a conotação mais universal. No entanto, lá tem também uma população que não é negra, que é branca”, afirmou.
Em seguida, Mário Lúcio partiu para outro questionamento: se autores brancos também poderiam ser incluídos na “literatura negra”. A seu ver, o brasileiro Guimarães Rosa, o cubano Alejo Carpentier e o colombiano Gabriel García Márquez escrevem esse tipo de obra literária.
“Precisamos clarificar se os brancos também fazem ‘literatura negra’. É uma questão para reflexão. Assim como se os negros também fazem literatura sem o epíteto de ‘negra’. Isso tem a ver com as lutas de lugares que são diferentes. Por exemplo, na Europa, separam-se os livros escritos por africanos do resto da literatura universal. Hoje, em África, falamos em literatura que nós escrevemos. Até porque seria redundante falar de ‘literatura negra’”, continuou o autor, nascido em Tarrafal, na ilha cabo-verdiana de Santiago.
“O belo dessa discussão é que em alguns lugares são temas de discussão e em outros não. Estou na luta para que eu, de cultura negra assim chamada, não precise mais dessas catalogações. Preciso da liberdade, lutei para me libertar disso”, ressaltou Mário Lúcio. “Se faço música e literatura de Cabo Verde, elas têm suas especificidades, mas dentro das literaturas e músicas que já existem”, concluiu.
A quarta edição d’A Feira do Livro 2025 acontece de 14 a 22 de junho, na praça Charles Miller, no Pacaembu. Realizado pela Associação Quatro Cinco Um, pela Maré Produções e pelo Ministério da Cultura, o festival literário paulistano, a céu aberto e gratuito, reúne mais de duzentos autores e autoras do Brasil e do exterior em uma programação com mais de 250 atividades, entre debates, oficinas, contações de histórias e encontros literários. Confira a programação e outras notícias do festival.
A Feira do Livro 2025 · 14 — 22 jun. Praça Charles Miller, Pacaembu
A Feira do Livro é uma realização do Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet – Incentivo a Projetos Culturais, Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos dedicada à difusão do livro e da leitura no Brasil, Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais, e em parceria com a Prefeitura de São Paulo.
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