
A cobertura especial d’A Feira do Livro, que acontece de 14 a 22 de junho, é apresentada pelo Ministério da Cultura e pela Petrobras
MINISTÉRIO DA CULTURA E PETROBRAS APRESENTAM


A FEIRA DO LIVRO 2025,
O branco precisa ouvir e respeitar nossa história, diz Yamaluí Kuikuro Mehinaku
O autor do Xingu falou sobre biografia do avô Nahu, líder indígena histórico, e entoou canto tradicional no Auditório Armando Nogueira
20jun2025Os ritmos do Xingu ajudaram a ecoar a mensagem de Yamaluí Kuikuro Mehinaku, que entoou um canto de proteção e boa saúde no início e no fim da mesa O dono da palavra, com mediação de Rita Carelli, na noite desta quinta-feira (19) no Auditório Armando Nogueira.
Pesquisador e cantor, Yamaluí falou sobre Dono das palavras: a história do meu avô (Todavia), biografia de Nahu Kuikuro, um dos primeiros indígenas do Alto Xingu a aprender português, ainda na década de 1940. “Esperei muito o branco contar a história dele [o avô], mas ninguém contou.”

Uma de suas intenções ao escrever a obra, publicada em edição bilíngue em kuikuro (na primeira vez que o idioma foi fixado em forma escrita) e português no ano passado, foi fazer um chamado.
“Os índios precisam que o branco ouça a nossa história, respeite a nossa história. Muito branco não está respeitando nossa cultura, nosso território, nossos rios. Na cabeça do branco não tem a palavra preservação, essa eu falo mais para os parlamentares que estão lá em Brasília. Só pensam em dinheiro, não pensam no futuro dos filhos, nas novas gerações que estão vindo.”
Yamaluí contou que, ao reunir a história do avô, também pensava nos jovens indígenas que “estão caminhando na universidade — para conhecerem a história do meu avô e a história do Xingu. Para eles respeitarem nosso território e lutarmos todos juntos como eles [geração do avô] lutaram. Isso que eu espero dos mais jovens daqui para a frente.”
O tradutor
Nahu, que morreu aos 104 anos em 2024, teve papel de destaque na criação do Parque Indígena do Xingu, em 1961. Quando os irmãos Orlando, Cláudio e Leonardo Villas-Bôas chegaram lá, nos anos 1940, ele já tinha aprendido o português, o que lhe rendeu o importante papel de tradutor.
Mais Lidas
Yamaluí conta que ao assistir o filme Xingu (2011), de Cao Hamburger, esperava ver o avô com maior tempo de tela. “Vi ele aparecer só no finalzinho, por vinte segundos. Saí do filme triste”, lembra ele. “As pessoas que lutaram com meu avô não foram homenageadas nesse filme.”
Foi aí que ele decidiu contar a história de Nahu, mas a empreitada não foi simples. “Tive muita dificuldade financeira, tentei procurar apoio, mas ninguém me apoiou. Nessa época eu era beneficiário do Bolsa Família, ganhava R$ 150 por mês. Para eu chegar na aldeia onde meu avô aprendeu a falar português, custava R$ 600. Consegui juntar esse dinheiro e fui para lá fazer pesquisa.”
Uma fonte importante para Yamaluí reconstituir a trajetória do avô foi uma indígena de 104 anos do povo Bakairi, que também vive no Xingu. Ele lembra que ela cobrou R$ 50 para contar a história. “Fiquei negociando com miçangas, mas ela não gostou e preferiu o dinheiro”, brincou ele. Seu tio, Jakalu Kuikuro, o único filho homem de Nahu, também foi peça-chave para a pesquisa.
Ossos
A célebre história do coronel britânico Percy Fawcett, que desapareceu em 1925 na região do Xingu em meio a uma expedição pela lendária El Dorado, inevitavelmente apareceu no livro e na conversa n’A Feira do Livro.
“O povo Kalapalo foi acusado de matar o Fawcett. O Orlando Villas-Bôas pressionou bastante, ameaçou, então o povo Kalapalo começou a desenterrar um cacique que tinha falecido recentemente. Desenterraram o osso dele e levaram até onde o Fawcett foi visto da última vez só para enganar o Orlando. Esse osso foi dado pro Orlando como se fosse do coronel, assim ele parou de incomodar os Kalapalo”, narrou Yamaluí.
A busca pela ossada do coronel, no início dos anos 1950, também é narrada no clássico Esqueleto na lagoa verde (Companhia das Letras), publicado em 1953 pelo jornalista Antonio Callado.
“A minha luta agora é trazer de volta esse osso do cacique. Ele está aqui em São Paulo, não sei se na USP, eu estou procurando. Minha luta é recuperar esse osso, levar para o Xingu e fazer a festa quarup do cacique”, afirmou ele.
Devastação ambiental
Yamaluí fez ainda um alerta sobre os efeitos das mudanças climáticas e da expansão do agronegócio que já estão alterando a vida no Xingu. “Uma equipe da Fiocruz foi fazer pesquisa no rio Culuene e descobriu que alguns peixes estão contaminados. As fazendas estão se aproximando do nosso território e da beira do rio. Quando chove, o veneno que eles jogam na soja, a chuva leva pro rio”, relatou.
Outro ponto que preocupa é a venda de madeira ilegal. “Alguns indígenas estão fazendo isso, vendendo madeira com os madeireiros, roubando nossas árvores e desmatando.” Segundo ele, “a situação no momento está muito preocupante”.
A quarta edição d’A Feira do Livro 2025 acontece de 14 a 22 de junho, na praça Charles Miller, no Pacaembu. Realizado pela Associação Quatro Cinco Um, pela Maré Produções e pelo Ministério da Cultura, o festival literário paulistano, a céu aberto e gratuito, reúne mais de duzentos autores e autoras do Brasil e do exterior em uma programação com mais de 250 atividades, entre debates, oficinas, contações de histórias e encontros literários. Confira a programação e outras notícias do festival.
A Feira do Livro 2025 · 14 — 22 jun. Praça Charles Miller, Pacaembu
A Feira do Livro é uma realização do Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet – Incentivo a Projetos Culturais, Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos dedicada à difusão do livro e da leitura no Brasil, Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais, e em parceria com a Prefeitura de São Paulo.
Porque você leu A FEIRA DO LIVRO 2025
Fetichismo do livro como objeto capitalista não me interessa, diz Jorge Carrión
Crítico cultural catalão falou sobre o amor à leitura e às livrarias com o escritor Afonso Cruz na mesa O vício dos livros
JUNHO, 2025