
A cobertura especial d’A Feira do Livro, que acontece de 14 a 22 de junho, é apresentada pelo Ministério da Cultura e pela Petrobras
MINISTÉRIO DA CULTURA E PETROBRAS APRESENTAM


A FEIRA DO LIVRO 2025,
‘Nossa sociedade é uma máquina de enlouquecer mulheres’, afirma Elisama Santos
Para psicanalista baiana, divisão desigual de tarefas, maternidade compulsória e o inesgotável trabalho do cuidado estão entre motivos para gritar
22jun2025No novo livro de Elisama Santos, Ensaios de despedida (Record), a protagonista Cristina, depois de uma vida dedicada ao casamento e aos filhos, se pergunta: por que não se sente feliz? Onde está a recompensa depois de ter feito “tudo que tinha que fazer”? “Ela escreve cartas para a filha, Maria Isabel, para questionar esse espaço que ocupa como mulher”, explicou a autora. Na mesa Por que gritamos, com mediação da jornalista Tatiana Vasconcellos, as duas conversaram neste domingo (22) sobre temas que orbitam a trajetória da Cristina e de tantas outras mulheres: maternidade, trabalho do cuidado, desigualdade de gênero. “Quem lê, vê na Cristina a própria mãe, tia, avó.”
A dificuldade de assumir a narrativa é tanta que a protagonista não escreve para si, mas para a filha: “Cristina não sabe fazer nada para ela”. Santos comentou como a socialização relega às mulheres a posição de desejadas, e não desejantes. “Não sabemos o que queremos”, afirmou.

Nesse cenário, identificar os próprios desejos é um esforço intencional. “Se você vai no fluxo do que a sociedade impõe, vai cuidar de tudo e de todos, menos de você”, disse Elisama Santos. O público aplaudiu quando complementou: “O trabalho do cuidado não acaba. Tem sempre comida para ser feita, casa para ser limpa, alguém para acompanhar numa consulta. A gente não se aposenta”.
Relacionamento e maternidade
Em tempos de relações mais fluidas e mulheres mais independentes, os marcadores de abuso ficam mais embaçados, sugeriu Vasconcellos. Elisama Santos concordou: “Para mulheres, sobretudo com filhos, a separação tem um preço muito alto. A falência do casamento vai para a conta dela, que chora o divórcio e se pergunta como ela não conseguiu manter aquele relacionamento”.
A maternidade, para Santos, não é uma escolha. “As bonecas habitam seu quarto antes de você chegar nele, os símbolos de cuidado sempre estiveram ali. Como você vai negar esse papel?” Ela, que é mãe de dois, disse ser “apaixonada pela minha maternidade, mas porque eu tenho rede de apoio e alguém que faz a parte dele, o pai”.
Nesse campo, as mulheres são sempre criticadas – optando ou não por gestar. O importante, segundo Santos, é pensar sobre as motivações por trás da maternidade: “Essa ideia de que os filhos sanariam uma falta existencial da mulher é muito violenta, tanto com a mãe quanto com a criança. Não tem completude, é a falta que nos movimenta”.
Comunicação não violenta
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Ainda que tenha escrito títulos como Educação não violenta (2019) e Conversas corajosas (2021), ambos publicados pela Paz & Terra e que navegam por fundamentos da comunicação não violenta, Santos disse que trabalha com isso porque precisa. “Boa mesmo eu sou de briga”, riu.
De acordo com ela, a não violência é um convite para abrirmos espaço, para darmos ouvidos a nós mesmos, antes de qualquer conversa. “Queremos atender o desejo do outro, mas antes precisamos entender o que faz sentido para nós, determinar o que é inegociável, dar espaço para ficarmos sozinhos.” E provocou: “Se não consigo ficar apenas comigo, como vou conversar com o outro?”
Comentou também que muitas mulheres a procuram com a dúvida: como podem ser mais calmas? “Sempre dou o mesmo retorno: a quem serva sua calma? Porque se serve para engolir sapo e aguentar relacionamentos abusivos, você não precisa de calma, e sim de um belo grito.”
A mesa terminou com a plateia de pé, aplaudindo, depois que Elisama Santos convocou as pessoas que a escutavam a “agarrar com força esse pequeno pedaço que é nosso, que é consciente, e exercer nossa autonomia”.
A quarta edição d’A Feira do Livro 2025 acontece de 14 a 22 de junho, na praça Charles Miller, no Pacaembu. Realizado pela Associação Quatro Cinco Um, pela Maré Produções e pelo Ministério da Cultura, o festival literário paulistano, a céu aberto e gratuito, reúne mais de duzentos autores e autoras do Brasil e do exterior em uma programação com mais de 250 atividades, entre debates, oficinas, contações de histórias e encontros literários. Confira a programação e outras notícias do festival.
A Feira do Livro 2025 · 14 — 22 jun. Praça Charles Miller, Pacaembu
A Feira do Livro é uma realização do Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet – Incentivo a Projetos Culturais, Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos dedicada à difusão do livro e da leitura no Brasil, Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais, e em parceria com a Prefeitura de São Paulo.
Porque você leu A FEIRA DO LIVRO 2025
Quarta edição d’A Feira do Livro celebra, ao longo de nove dias, a literatura e a liberdade
Reunindo milhares de leitores no espaço público, festival literário paulistano entrou para o calendário oficial da cidade e celebrou 40 anos de democracia com mais de 250 atividades gratuitas
JUNHO, 2025