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A cobertura especial d’A Feira do Livro, que acontece de 14 a 22 de junho, é apresentada pelo Ministério da Cultura e pela Petrobras

MINISTÉRIO DA CULTURA E PETROBRAS APRESENTAM

São Paulo 20/06/2025 - Feira do Livro 2025 Pacaembu | Foto: Nilton Fukuda

A FEIRA DO LIVRO 2025,

Literatura travesti, genocídio na Palestina, imigração e edição de livros movimentam sétimo dia d’A Feira do Livro 

Amara Moira, Jiro Takahashi, Ghayath Almadhoun, Lina Meruane e Marcelo Rubens Paiva passaram pelos palcos do festival literário paulistano nesta sexta (20)

21jun2025

Literatura travesti, o genocídio na Palestina, imigração, edição de livros, defesa da democracia e ilustração movimentaram o sétimo dia d’A Feira do Livro. Amara Moira, Jiro Takahashi, Ghayath Almadhoun, Lina Meruane, Marcelo Rubens Paiva, entre outros autores, passaram pelos vários palcos do festival literário paulistano nesta sexta (20).

Uma língua que não se ensina em nenhum lugar, mas que se aprende nas ruas e que está em constante evolução. O bajubá ou pajubá, linguagem de resistência de travestis para, entre outras coisas, se proteger da violência e da perseguição policial, divertiu o público na noite desta sexta (20), no Encontro com Amara Moira e o colunista da Quatro Cinco Um Renan Quinalha. 

“Sempre quis ser escritora e quando comecei minha transição, onze anos atrás, queria colocar esse mundo que eu estava vivendo em palavras, convidar pessoas trans e travestis a imaginarem que a literatura é nossa”, disse a autora de Neca: romance em bajubá (Companhias das Letras, 2024) 

Amara Moira (Flávio Florido)

Outra mesa que tratou da literatura das travestis aconteceu mais cedo no Tablado Mário de Andrade para homenagear Claudia Wonder e Brenda Lee, que reuniu a dramaturga Fernanda Maia e o cineasta Dácio Pinheiro. Maia é o nome por trás da peça Brenda Lee e o palácio das princesas (Ercolano, 2024), e Pinheiro é autor do livro Flor do asfalto (Ercolano, 2025), que compilou entrevistas com Wonder. Os convidados conversaram sobre a vida e a obra das artistas, seu legado e a importância da luta travesti. “Somos o sonho vivo das nossas ‘transcestrais’. Mas ainda somos empurradas o tempo todo para a marginalização”, disse a mediadora da mesa, Verónica Valenttino. 

Exílios

A mesa Encontro com Lina Meruane, que teve mediação da colunista da Quatro Cinco Um Bianca Tavolari, foi palco de reflexões incisivas da autora de Tornar-se Palestina (Relicário) sobre o genocídio em Gaza. “Todo o projeto colonial sionista consistiu em apagar não apenas palavras, mas palavras importantes como ‘Palestina’ e ‘palestinos’. Fez desaparecer as cidades palestinas, as casas palestinas, a história palestina, os símbolos palestinos, a bandeira palestina e os palestinos, ontem e, sobretudo, hoje.” Para ela, “há uma conexão muito clara do modo como o autoritarismo opera, o que faz com que a linguagem seja tão importante para ditaduras e governos coloniais e genocidas”.

Lançado originalmente em 2019 no Brasil, o livro acaba de ganhar uma edição ampliada, com prefácio do escritor Milton Hatoum e um terceiro ensaio. “Para mim esse livro não é só um livro, é um projeto de escrita muito afetivo”, conta Meruane, que resgata na obra a história dos seus avós paternos na Cisjordânia e o processo de imigração da família para o Chile. Ela agradeceu a calorosa acolhida dos leitores brasileiros, que fizeram do livro um sucesso de público.

Na mesa, que contou com tradução simultânea de Lucien Beraha e Ramon de Barros, Meruane também abordou a memória da ditadura chilena, tema de seu mais recente livro, Sinais de nós (Relicário, 2025). Nesse breve relato, a autora narra memórias de infância de uma menina que estuda em um colégio de classe alta em Santiago nos anos seguintes ao golpe militar que derrubou o presidente Salvador Allende, em 1973. “Sinto que toda minha busca foi menos nostálgica ou sentimental e muito mais política, mas também é verdade que o pessoal é político.”

Lina Meruane e Bianca Tavolari (Flávio Florido)

Outra conversa que teve a Palestina como um dos tópicos foi Você deu em pagamento o meu país, que reuniu dois poetas: o sírio-palestino Ghayath Almadhoun e o maranhense Josoaldo Lima Rêgo. Almadhoun, filho de mãe síria e pai palestino, nasceu num campo de refugiados em Damasco, capital da Síria. Os avós de Lima Rêgo são do Ceará, os pais do Piauí, e ele nasceu no Maranhão, “um estado de transição, metade Amazônia, metade Nordeste”, como ele disse. 

No Auditório Armando Nogueira, eles conversaram com a jornalista e historiadora Paula Carvalho sobre uma poesia em trânsito, que está no exílio e que é marcada por violências. “Uma coisa central na violência do Brasil é o racismo. Marca nosso modo de vida, nossa arquitetura, nosso imaginário”, disse Lima Rêgo, que além de poeta é geógrafo. 

Para Almadhoun, a violência é um dado da história da humanidade. “Um pedaço da violência é a guerra. A guerra faz parte da gente e a arte reflete nossa experiência.”

Ghayath Almadhoun (Flávio Florido)

A literatura e a imigração também foram tratadas na mesa Eu vim de lá, com o escritor Oscar Nakasato e a artista, fotógrafa e cineasta Cassiana Der Haroutiounian, mediada pelo cineasta Otavio Cury. “Ao ser imigrante, você deixa muito da sua identidade para trás. Quem sai sempre carrega um trauma”, afirmou ela, que, descendente de armênios, relembrou outro genocídio dos quais seus ancestrais foram alvo em 1915 pelo Império Turco-Otomano. 

Der Haroutiounian acaba de reunir no livro Uma ilha chamada Armênia (Tabla) fotografias que ela tirou do país ao longo de quinze anos. Já Nakasato, autor dos romances Nihonjin e Ojiichan (Fósforo), ambos sobre as vivências da comunidade nipo-brasileira à qual pertence, disse que a experiência do imigrante é trágica em certa medida, um entrelugar que leva os sujeitos a não se sentirem pertencentes nem à sua cultura de origem, nem à de destino.

Enquanto isso, ainda sobre política, a mesa Democracia em negociação, com mediação da jornalista Maria Cristina Fernandes, reuniu o jurista Rafael Mafei e o cientista político Leonardo Weller para falar sobre relações entre os poderes e situações de abalo das instituições, como os impeachments de Fernando Collor e Dilma Rousseff e a tentativa de golpe por Jair Bolsonaro e seus apoiadores. “Minha hipótese é que o golpe era um plano B. O plano A era a deterioração da democracia sem a ruptura”, afirmou Weller.

Amor pelos livros

Ao contrário do que se poderia imaginar sobre apaixonados por livros, Jorge Carrión e Afonso Cruz, convidados da mesa O vício dos livros, mediada por Noemi Jaffe, contaram não ter muita reverência pelo objeto em si.

“O que me interessa dos livros são as ideias. Esse fetichismo, essa adoração ao livro como um objeto capitalista, não me interessa, me deixa nervoso. Me interessa poder manchar com o café que estou tomando, poder marcar e anotar com lápis”, disse Carrión, que contou que sempre prefere edições baratas de bolso e que não entende pessoas que compram edições de colecionador que não podem ser lidas, que não podem ser tiradas da embalagem para não perder seu valor. “Todos os livros da minha casa são baratos e estão muito usados. Eu amo os livros, o que não amo é a especulação a partir dos livros.”

Outra mesa que tratou de literatura foi Cartas aos filhos, com Marcelo Rubens Paiva e Martha Nowill, mediada por Micheline Alves. São autores que misturam relatos pessoais e o cenário político em suas obras. Na conversa, falaram das semelhanças de seus livros, de paternidade, de maternidade e dos limites éticos da literatura.

Martha Nowill e Marcelo Rubens Paiva (Flávio Florido)

Já a edição de livros foi um dos temas desta sexta ao receber o criador das famosas séries Vaga-Lume e Para Gostar de Ler, Jiro Takahashi, e a coordenadora da Lote 42, Cecilia Arbolave, que discutiram como tornar o livro impresso um objeto de interesse em um mundo inundado por distrações. Na mesa Para Gostar de Ler, mediada pelo editor da Quatro Cinco Um Vitor Pamplona, os dois defenderam que a resposta a esse desafio passa pelo lúdico: seja na literatura infantil, fazendo eventualmente parcerias com games, seja na adulta, em que esse elemento ainda sofre muito preconceito. 

Em seguida, Arbolave organizou uma visita guiada pelas tendas de expositores com os olhos voltados para aspectos gráficos criativos e inovadores nos livros. “A produção gráfica nada mais é do que a ciência de traduzir um arquivo digital e materializá-lo num livro impresso. Isso envolve escolhas de design, formatos, papéis”, disse, acrescentando que escolher bem significa fazer livros em que o conteúdo e a forma funcionem como um bom conjunto. 

O trabalho da crítica cultural foi tema do encontro entre Paulo Roberto Pires, Bianca Tavolari, Juliana Borges e Renan Quinalha, colunistas da Quatro Cinco Um, que teve mediação da editora executiva da revista, Beatriz Muylaert. Na conversa, um dos consensos a que chegaram é que o papel do crítico literário não é dizer se um livro é bom ou ruim — por mais que ele possa objetivamente ser —, mas dialogar com a obra para refletir sobre o mundo em que ela está inserida. 

Crônica 

A mesa Viagem no país da crônica serviu histórias saborosas sobre o gênero, contadas pelos cronistas Humberto Werneck e Luís Henrique Pellanda. “Muita gente diz que a crônica é um gênero tipicamente brasileiro, eu mesmo incorri nesse erro ao dar o título para uma antologia que fiz. Ela veio da França, trazida em meados do século 19, mas se adaptou muito bem ao Brasil. A comparação que eu faço é com o futebol, que chegou com o Charles Miller. A crônica se deu muito bem com uma certa informalidade do brasileiro, que é, por vezes, abusiva”, disse Werneck.

Luís Henrique Pellanda, Humberto Werneck e Ruan de Sousa Gabriel (Flávio Florido)

Pellanda lembrou uma definição de Machado de Assis, de que a crônica “se assemelhava à conversa de duas vizinhas que fofocavam sobre o tempo, sobre a vida do morador da casa em frente. Tinha essa associação com a fofoca, a conversa que se metia na vida pública e alheia”.

Ambos ressaltaram a importância de o cronista buscar seu tema olhando para fora. “O assunto está sempre fora, tenho certo horror dessa literatura meio egoica, a pessoa olhando para si mesmo. Tem que sair à rua. Não é que você sai por aí xeretando a vida dos outros — eventualmente, sim —, mas tem que sair em todos os sentidos”, defendeu Werneck.

Arte, psicanálise e ilustração

O catálogo da exposição mais recente de Renata Lucas, Domingo no Parque, que ocupou a Pina Estação até o mês passado, não é como outras publicações do gênero. Além de trazer fotografias e informações sobre as obras que ela de fato expôs no local e de outras que foram centrais na sua trajetória artística, o livro incluía diversos projetos que a artista jamais realizou. 

Essa divergência entre “livro e documento, projeto e obra”, nas palavras do diretor da Pinacoteca de São Paulo, Jochen Volz, serviu de ponto de partida para uma conversa entre ele, Lucas e a curadora da mostra na Pina Estação, Pollyana Quintella.

A psicanálise foi tema do Tablado de Mário de Andrade com Vera Iaconelli, que mais uma vez lotou o espaço. Não tinha uma única cadeira vazia — todos queriam escutar o que a psicanalista tinha a dizer sobre suas três décadas no divã. Em uma conversa com a jornalista Anna Virginia Balloussier, a psicanalista falou sobre a escrita do recém-lançado Análise (Zahar), em que destrincha memórias e histórias familiares enquanto tece um questionamento sobre o papel e os desafios da clínica.

Entre as outras mesas dos Tablados Literários, além de psicanálise e homenagem a ícones do movimento LGBTQIA+, houve debates sobre produções literárias nas periferias e sobre violência, contando com nomes como Tiago Ferro e Jorge Carrión, que já havia participado no dia anterior da mesa Membranas e nervos, com Lina Meruane, no Palco Petrobras. 

O dia no Espaço Rebentos foi bastante dedicado à ilustração, recebendo diferentes gerações de ilustradores de livros infantojuvenis. Durante a mesa A força dos caracóis, a ialorixá Luciana Itanifè discutiu a importância de aproximar as infâncias dos elementos da cultura iorubá, como faz em A menina dos cabelos d’água (Baião, 2023), livro ilustrado por ela e escrito por Sidnei Nogueira. Os ilustradores Renato Moriconi e Vitor Rocha também estiveram no palco infantil d’A Feira e libertaram as ilustrações de possíveis regras ou purismos. “O importante é desenhar tudo, ver tudo. Você vai descobrindo o caminho certo e [o caminho] errado. O desenho é muito subjetivo”, disse Rocha. “Arte não tem regra nem modismo”, acrescentou Moriconi.

Luciana Itanifé e Juliana Vettore (Camila Almeida)

A quarta edição d’A Feira do Livro 2025 acontece de 14 a 22 de junho, na praça Charles Miller, no Pacaembu. Realizado pela Associação Quatro Cinco Um, pela Maré Produções e pelo Ministério da Cultura, o festival literário paulistano, a céu aberto e gratuito, reúne mais de duzentos autores e autoras do Brasil e do exterior em uma programação com mais de 250 atividades, entre debates, oficinas, contações de histórias e encontros literários. Confira a programação e outras notícias do festival.

A Feira do Livro 2025 · 14 — 22 jun. Praça Charles Miller, Pacaembu

A Feira do Livro é uma realização do Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet – Incentivo a Projetos Culturais, Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos dedicada à difusão do livro e da leitura no Brasil, Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais, e em parceria com a Prefeitura de São Paulo.