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A cobertura especial d’A Feira do Livro, que acontece de 14 a 22 de junho, é apresentada pelo Ministério da Cultura e pela Petrobras

MINISTÉRIO DA CULTURA E PETROBRAS APRESENTAM

(Nilton Fukuda)

A FEIRA DO LIVRO 2025,

Literatura ganha o palco no primeiro fim de semana d’A Feira do Livro

Autores como Aline Bei, Cuti, Edimilson de Almeida Pereira, Fabrício Corsaletti, Tati Bernardi e Veronica Stigger compuseram mesas do evento, que dura até o próximo domingo (22)

16jun2025

Os dois primeiros dias d’A Feira do Livro, que aconteceram neste sábado (14) e domingo (15), foram palco de grandes discussões em torno do tema do qual gira o festival paulistano: a literatura. Autores como Aline Bei, Cuti, Edimilson de Almeida Pereira, Fabrício Corsaletti, Lídia Jorge, Mário Lúcio Sousa, Ricardo Terto, Tati Bernardi, Veronica Stigger, entre outros, compuseram mesas do evento, que dura até o próximo domingo (22).

No primeiro dia d’A Feira, a crônica foi o tema da mesa Um milhão de ruas, que abriu as conversas no Palco Petrobras. Fabrício Corsaletti e Ricardo Terto discutiram a capacidade desse gênero de se intrometer na vida do leitor, a ponto de fazer alguém perder a parada do ônibus. Terto destacou a beleza de “escrever algo que de certa forma vence o tempo capturado”. “Sinceramente, 90% dos romancistas brasileiros não chegam aos pés dos melhores cronistas brasileiros”, exaltou Corsaletti.

O jornalista e escritor Carlos Marcelo, por sua vez, defendeu que todo livro é, em última instância, um jogo. Em O escutador (Impressões de Minas, 2025), seu último lançamento, que deu nome à mesa d’A Feira do Livro, ele leva essa metáfora ao extremo, com um romance que simula ser dois — a capa traz o nome de um autor enquanto a sobrecapa exibe outro, e notas de rodapé assinadas pela “editora” interferem diretamente na narrativa principal, provocando desconfiança no leitor.

A poesia também teve espaço. A mesa Lugares onde não estou reuniu Paloma Vidal e Laura Liuzzi, duas poetas que encontraram na maternidade um ponto de contato entre seus trabalhos, muito diferentes entre si. Elas tiveram filhos na mesma época, mas enquanto Vidal relata o cotidiano familiar no livro que dá nome à mesa, Liuzzi não fala diretamente da experiência — ao contrário, tentou produzir seu Poema do desaparecimento (Círculo de Poemas, 2024) a partir da perspectiva da filosofia externalista, que entende a consciência como algo que não está centrado no cérebro, mas em elementos externos. “A gente se encontra nesse movimento para fora. Você [Vidal] consegue anotar tudo, parece um documentário do cotidiano, e eu estou tentando desaparecer”, comparou Liuzzi.

No dia seguinte, Vidal conversou com a jornalista Flávia Péret sobre Coisas presentes demais (Relicário), lançamento de Péret que faz uma reflexão sobre memória, esquecimento e herança a partir da relação entre uma neta e sua avó. A mesa aconteceu no Tablado Literário Mário de Andrade.

Veronica Stigger e Leticia Costa (Agência Terebi)

A partir de um recorte mais geográfico, a autora gaúcha Veronica Stigger explorou sua relação com São Paulo, cidade que adotou há 24 anos e que permeia sua literatura. “Minha escrita, os textos pelos quais estou pensando, eles passam muito por essa experiência de estar na rua”, disse Stigger na mesa Palavra expressa. Já a linguista argentina Marina Berri e o professor de literatura e cultura russa da Universidade de São Paulo (USP) Bruno Gomide conversaram sobre a paixão que compartilham pela língua, a literatura e a cultura da Rússia na mesa Alfabeto russo.

A literatura russa também foi tema da mesa A literatura russa da primeira metade do século 20 a partir da obra de Ivan Búnin e Andrei Platônov, com os tradutores Irineu Franco Perpétuo e Maria Vragova e a artista visual Anna Cunha. A conversa aconteceu no domingo (15) no Tablado Literário das Bancadas, como parte da programação paralela.

Na ocasião, Perpétuo falou da agitada vida amorosa de Búnin, de quem traduziu o livro Alamedas escuras (Ars et Vita, 2024), que chegou a ter três contos censurados na União Soviética, dado seu alto grau de erotismo para os padrões na época. Vragova e Cunha, que trabalharam na edição recém-publicada de O amor pela pátria e outras histórias (Ars et Vita, 2025), de Platônov, trataram do protagonismo da criança na obra do autor.

Da “literatura negra” à autoficção

O segundo dia do evento começou com a mesa Conexão afro-atlântica no Palco Petrobras. Nela, estavam o escritor paulista Cuti, que falou da sua antologia poética Ritmo humanegrítico (Companhia das Letras, 2024), e o autor, cantor, compositor e político cabo-verdiano Mário Lúcio Sousa, que está lançando O livro que me escreveu (Solisluna).  

Os dois convidados debateram o conceito de “literatura negra”, mostrando que não há um consenso sobre o termo. Se na África a definição não faz muito sentido, pois toda literatura feita no continente é negra, no Brasil ela pode ser importante para demarcar uma identidade política de grupos historicamente oprimidos e invisibilizados. 

O escritor Edimilson de Almeida Pereira (Agência Terebi)

Houve também uma homenagem aos quarenta anos de carreira literária de Edimilson de Almeida Pereira, que aconteceu no Auditório Armando Nogueira. Desde seu primeiro livro, Dormundo (D’Lira, 1985), o autor e professor mineiro diz que hoje vê sua obra não como uma preocupação com desvendar caminhos, mas um ponto “numa teia muito maior que nos move”. “Aprendi a ler poemas que não gosto, poetas que não aprecio. É dessa diferenciação que vem esse caminho”, afirmou em conversa com a crítica literária Cristiane Tavares. “Procuro essa errância que me dá direito a experimentar as outras máscaras que os outros são”, disse.

O autor mineiro já tinha participado de uma conversa no dia anterior no Espaço Rebentos, voltado para crianças e adolescentes. Ele falou aos pequenos e grandes leitores sobre as particularidades de escrever poesia para o público infantil. Na mesa Poesia para os pequenos, mediada pela cantora Tatiana Nascimento, que também escreve poemas, o vencedor do Prêmio Oceanos falou ao público sobre a necessidade de ampliar o campo de expressão das palavras e provocar estranhamento através delas — algo que somente os livros infantis permitiram ao autor.

Outro destaque foi a mesa Diante da lembrança, que colocou o público frente a frente com uma das maiores escritoras portuguesas da atualidade, no Palco Petrobras d’A Feira do Livro. Lídia Jorge narrou como o processo de luto pela perda de sua mãe desembocou no seu romance Misericórdia (Autêntica Contemporânea, 2024), que ela definiu como “uma espécie de triunfo sobre a morte”, em outras palavras, “a ideia de que haja o que houver além de nós, enquanto alguém falar por nós, nós existimos”. “Isso me deu força para escrever em muito pouco tempo este livro, era como se ela ainda não tivesse desaparecido”, afirmou em conversa mediada pela escritora e professora Luana Chnaiderman de Almeida. “É por isso que este livro tem este tom, que não é melancólico, é um tom de combate.”

A mesa Entre nós, que aconteceu na tarde deste domingo (15), no Palco Petrobras, reuniu a autora paulistana Aline Bei e a escritora e tradutora potiguar Bruna Dantas Lobato para falarem sobre a criação de seus livros mais recentes, que trazem protagonistas femininas para contar suas histórias. Na conversa mediada pela jornalista Paula Jacob, Bei, que lança Uma delicada coleção de ausências (Companhia das Letras), falou de como a poesia concreta e o cinema de Agnès Varda e Chantal Akerman foram importantes para sua produção literária. Já Lobato refletiu sobre seu romance Horas azuis, publicado pela mesma editora, em meio à situação atual dos imigrantes nos Estados Unidos, que enfrentam as políticas anti-imigratórias do governo Donald Trump. “Ser imigrante [nos EUA] é horrível. As coisas que estão acontecendo agora já aconteciam antes e sempre aconteceram”, disse Lobato, que reside no país há anos. 

Bei, aliás, ficou três horas e meia assinando autógrafos dos seus três romances para uma longa fila de leitores: além do recente Uma delicada coleção de ausências, há também O peso do pássaro morto, de 2017, que vai ganhar uma reedição pela Companhia das Letras, e Pequena coreografia do pequeno adeus.

Aline Bei e Bruna Dantas Lobato (Nilton Fukuda)

Diários, crises, perdas, o cotidiano e tudo que pode alimentar a poesia permearam a conversa durante a mesa Antes de dar nomes ao mundo, que reuniu a escritora carioca Adriana Lisboa e a poeta paulistana Júlia de Carvalho Hansen na tarde deste domingo (15), no Auditório Armando Nogueira, com mediação da crítica literária Luciana Araujo Marques. 

O humorista e ator francês Panayotis Pascot, como não poderia deixar de ser, arrancou risos do público durante a mesa Cair do cavalo, no Auditório Armando Nogueira. “Muita gente fala de coragem em autoficção, de como falar de uma história a partir de coisas da nossa própria vida embarca pessoas, leva gente junto nesse barco, mas eu não acho isso. Acho que é um pouco de covardia contar as coisas cada um no seu cantinho. É mais fácil escrever que enfrentar as coisas na vida”, afirmou o autor de Da próxima vez que você cair do cavalo (Ercolano, 2025), um franco relato autobiográfico no qual Pascot tenta organizar as reflexões e sentimentos dos dias que se seguiram ao anúncio de que seu pai, com quem mantinha relação distante, em breve morreria.

A autoficção e o bom-humor também foram a tônica da mesa que encerrou a noite d’A Feira, com a escritora Tati Bernardi, que riu e arrancou risadas ao narrar alguns dos episódios de seu livro mais recente, A boba da corte (Fósforo, 2025), ao lado da jornalista Aline Midlej. Durante a conversa, ela discutiu as críticas à sua incursão pela autoficção, refletiu sobre os códigos que regem o comportamento da elite paulistana e contou como a escrita foi o lugar de pertencimento que ela criou para si. “Eu celebro quando minha vida está cagada, porque sei que vai ter o que escrever”, disse.

Programação paralela

A programação paralela d’A Feira, distribuída nos três Tablados Literários, também reuniu vários debates em torno da literatura. 

No sábado, houve mesas de literatura fantástica, homenagens a Dalton Trevisan e Ziraldo, uma conversa sobre os ângulos de visão dos escritores negros, com Luciany Aparecida e Vinicius Neves Mariano, e muito mais. 

Maria Adelaide Amaral (Nilton Fukuda)

No domingo, Maria Adelaide Amaral e Andréa Del Fuego, mediadas pela jornalista Tatiana Vasconcellos no Espaço Motiva Tablado Literário, conversaram sobre O bruxo, escrito por Amaral depois de um diagnóstico de câncer de mama. Enquanto isso, no Tablado Literário Mário de Andrade, os tradutores Francesca Cricelli, Luciano Dutra e Leonardo Pinto Silva conversaram sobre as obras e trajetórias dos autores norueguês e islandês, ambos vencedores do Nobel, na mesa Do silêncio ao Nobel: Jon Fosse e Halldór Laxness. Os três falaram sobre peculiaridades das línguas, desafios e alegrias da tradução e, claro, literatura nórdica. “É tão importante falarmos sobre tradução”, resumiu a mediadora da mesa, Paula Jacob.

Para fechar o domingo, o Tablado Literário das Bancadas recebeu uma convidada internacional: a escritora e ativista cultural sul-africana Zukiswa Wanner, em conversa com Daniel Martins de Araújo, da editora Periferias, que lança Amar, casar, matar e uma reedição de Relatos da vida palestina sob estado de apartheid, publicado originalmente em 2023.

O que vem por aí

As conversas em torno da literatura continuam até o próximo domingo (22). Confira abaixo alguns dos próximos destaque em torno de vários gêneros literários:

Terça 17 – 19h15 • Auditório Armando Nogueira

[Literatura japonesa] CLUBE DE LEITURA JAPAN HOUSE SÃO PAULO + QUATRO CINCO UM
Oscar Nakasato
O escritor paranaense é o convidado de uma edição especial do Clube de Leitura Japan House São Paulo + Quatro Cinco Um, que vai discutir o livro O país das neves (Estação Liberdade), romance do Nobel de Literatura Yasunari Kawabata

Quarta 18 – 15h30 • Palco Petrobras

[Literatura brasileira] ENCONTRO COM IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO
Ignácio de Loyola Brandão
Um bate-papo com o autor que fez de São Paulo o cenário de romances, contos e crônicas

Quarta 18 – 16h30 • Auditório Armando Nogueira

[Literatura] MRS DALLOWAY
Ana Carolina Mesquita
A tradutora de uma nova edição do clássico de Virginia Woolf fala sobre a atualidade da escritora inglesa e discute os diários de Woolf que vem traduzindo em um projeto da editora Nós

Quinta 19 – 12h • Palco Petrobras

[Poesia] ALEXANDRINOS HEROICOS
Paulo Henriques Britto e Glauco Mattoso
Os dois autores reunidos nesta mesa renovaram a poesia brasileira praticando o soneto e mostram como a mais clássica das formas fixas também pode ser subversiva

Quinta 19 – 19h • Palco Petrobras

[Literatura e Ficção] MEMBRANAS E NERVOS
Lina Meruane e Jorge Carrión
Destaques da prosa em castelhano, a autora chilena e o escritor espanhol renovam a ficção contemporânea com narrativas que rompem com as convenções do realismo literário
Apoio: Acción Cultural Española + Instituto Cervantes + Todavia + Relicário

Sexta 20 – 12h • Palco Petrobras

[Crônica] VIAGEM NO PAÍS DA CRÔNICA
Humberto Werneck e Luís Henrique Pellanda
Gênero brasileiro e despretensioso, a própria crônica às vezes acaba se tornando um tema para conversas espirituosas entre cronistas, como acontece nos livros dos autores reunidos nesta mesa

Sexta 20 – 13h45 • Palco Petrobras

[Parentalidade] CARTAS AOS FILHOS
Marcelo Rubens Paiva e Martha Nowill
O autor de Ainda estou aqui (Alfaguara, 2015) e a atriz e escritora paulistana conversam sobre seus livros, que retratam a vida e os dilemas de pais e mães

Sexta 20 – 19h • Palco Petrobras

[Livros e Livres] ENCONTRO COM AMARA MOIRA
Amara Moira
A autora apresenta no Pacaembu o romance Neca (Companhia das Letras, 2024), escrito em bajubá, marco da literatura brasileira e da cultura travesti

Sábado 21 – 12h • Palco Petrobras

[História] ENCONTRO COM BEATRIZ BRACHER
Beatriz Bracher
Acontecimento decisivo para a política brasileira dos séculos seguintes, a Guerra do Paraguai (1864-70) é o tema do ambicioso romance que a autora apresenta nesta conversa, composto a partir de fragmentos de fontes históricas

Sábado 21 – 13h45 • Palco Petrobras

[Leituras de poemas] HOMENAGEM A ANTONIO CICERO
Arthur Nogueira, Alice Sant’Anna e Marina Lima / Mediação: Bruna Beber
Leitura de poemas e letras de canções do poeta e compositor carioca morto em outubro de 2024

Sábado 21 – 15h30 • Palco Petrobras

[Poesia] ENCONTRO COM LEONARDO FRÓES
Leonardo Fróes / Mediação: Schneider Carpeggiani
A poesia do fluminense Leonardo Fróes é de uma beleza única, comparável apenas ao prazer de ouvi-lo falar sobre livros, plantas e questões filosóficas, temas que confluem para sua obra poética, tema desta mesa

Domingo 22 – 16h • Auditório Armando Nogueira

[Literatura e Animais] BESTIÁRIOS
Sofia Mariutti e María Ospina Pizano
A poeta paulistana e a prosadora colombiana conversam sobre as possibilidades poéticas da representação dos bichos na literatura

Domingo 22 – 17h15 • Palco Petrobras

[Literatura] ENCONTRO COM PEDRO MAIRAL
Pedro Mairal / Mediação: Roberta Martinelli
Conversa em torno da nova literatura latino-americana e crônicas sobre o amor com o romancista, poeta e músico argentino radicado no Uruguai

A quarta edição d’A Feira do Livro 2025 acontece de 14 a 22 de junho, na praça Charles Miller, no Pacaembu. Realizado pela Associação Quatro Cinco Um, pela Maré Produções e pelo Ministério da Cultura, o festival literário paulistano, a céu aberto e gratuito, reúne mais de duzentos autores e autoras do Brasil e do exterior em uma programação com mais de 250 atividades, entre debates, oficinas, contações de histórias e encontros literários. Confira a programação e outras notícias do festival.

A Feira do Livro 2025 · 14 — 22 jun. Praça Charles Miller, Pacaembu

A Feira do Livro é uma realização do Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet – Incentivo a Projetos Culturais, Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos dedicada à difusão do livro e da leitura no Brasil, Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais, e em parceria com a Prefeitura de São Paulo.