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A cobertura especial d’A Feira do Livro, que acontece de 14 a 22 de junho, é apresentada pelo Ministério da Cultura e pela Petrobras

MINISTÉRIO DA CULTURA E PETROBRAS APRESENTAM

Lina Meruane, Jorge Carrión e Rodrigo Casarin (Flávio Florido)

A FEIRA DO LIVRO 2025,

Lina Meruane e Jorge Carrión tentam atravessar fronteiras em mundo cada vez mais fechado

Autores debateram guerras, xenofobia e tecnologia, e o papel da micropolítica da escrita nesse universo, na mesa que encerrou o sexto dia d’A Feira do Livro

20jun2025

A chilena Lina Meruane e o espanhol Jorge Carrión se veem como escritores que tentam extrapolar fronteiras em um mundo cada vez mais fechado. Os dois conversaram sobre violência, guerras, xenofobia e tecnologia na mesa Membranas e nervos, mediada pelo jornalista Rodrigo Casarin, durante A Feira do Livro nesta quinta (19). 

De família palestina, Meruane disse que a viagem que fez pelos Territórios Ocupados foi uma espécie de culminação de tudo que aprendeu como uma pessoa viajante — alguém que sempre esteve em busca de sair do que é cômodo. “Isso mudou a minha vida, porque me dei conta de que podia me mover com muita liberdade, mas as pessoas que estavam comigo, não.” Ela escreveu sobre essa experiência em Tornar-se Palestina, que ganhou este ano uma reedição ampliada pela editora Relicário.

Lina Meruane e Jorge Carrión (Flávio Florido)

“A radicalidade dessa fronteira nos lembra do privilégio que temos como observadores do mundo, mas também da responsabilidade de contar tudo o que temos a possibilidade de ver”, completou.

Carrión, conhecido pelo interesse em tecnologia na sua obra, disse que, mesmo nos espaços virtuais, os limites à circulação também se impõem — como nos resultados de pesquisa, hoje norteados por algoritmos que limitam os links aos supostos interesses do usuário.

“Nos mundos imaginados não há fronteiras, porque são metaversos, são lugares sonhados, espaços que não correspondem ao real. Mas o real, na verdade, tem cada vez mais fronteiras, físicas e virtuais”, disse.

O espanhol contou como ultrapassar fronteiras quando jovem foi fundamental para sua formação, comparando a experiência a uma espécie de mestrado. “Estive no Brasil e o que mais gostei foi Minas Gerais. Não sabia que existia esse lugar. Aleijadinho é um gênio, maior que Niemeyer e Gilberto Gil”, contou, sem despertar muito apoio na plateia.

Residindo parte do ano nos Estados Unidos, que vivem um recrudescimento da política migratória sob Donald Trump, Meruane afirmou que é preciso reivindicar a migração e recordar que os países deixados para trás foram majoritariamente destruídos por colonização, abuso e violência que vêm de há muito tempo.

(Flávio Florido)

“Há outra guerra em curso que vai gerar deslocados”, relembrou, em referência ao conflito entre Israel e Irã. “Para onde eles vão? Não sei quantas pessoas vivem em Teerã. Para onde elas vão, se as fronteiras estão fechadas?”, questionou. “É o mesmo que fizeram com os palestinos: disseram ‘partam para um lugar seguro’ e bombardearam esse ‘lugar seguro’. Essas fronteiras convertem alguns locais em ratoeiras e campos de extermínio, e outros em lugares de conhecimento fechado, acabando com o que há de mais importante na humanidade: aprender a viver juntos”, completou.

Micropolítica

Os dois autores encaram sua obra como tentativa não de mudar o mundo, mas de fazer uma micropolítica que circule pelo mundo, alcançando um leitor de cada vez.

“Ao poder segue importando a palavra, o relato, o testemunho. Interessa ao poder que a sua versão da história prevaleça”, disse a chilena, citando os exemplos do ditador Augusto Pinochet, que mantinha uma ampla biblioteca inclusive com obras marxistas — para “conhecer o inimigo” — e os casos das mortes de jornalistas em Gaza que relatavam o conflito para o mundo exterior.

Foi com a mesma ambição de cutucar tabus estabelecidos que ela escreveu Contra os filhos (Todavia, 2018), para provocar um debate, em sua visão ainda muito silenciado, sobre a escolha de não ser mãe. Provocar reações fortes era justamente seu objetivo. “Uma coisa que me preocupa hoje é que parece que não podemos discutir ideias, não podemos considerar posições contrárias sobre um tema.”

Na mesma linha, Carrión, autor de Contra Amazon e outros ensaios sobre a humanidade dos livros (Elefante, 2020), diz que, nos dez anos entre a publicação do manifesto que deu origem ao livro e hoje, viu se transformar a percepção do mundo sobre bilionários da tecnologia como Jeff Bezos, Mark Zuckerberg e Elon Musk.

(Flávio Florido)

“Meu manifesto é simbólico. É micropolítico, é um texto poético. Mas fico feliz toda vez que alguém me diz ‘comprei o livro na Amazon, e é o último livro que comprei lá’. Isso é lindo, é o que busquei com essa provocação”, afirmou.

Em Membrana (Relicário, 2024), o autor trata de uma inteligência artificial que destrói a humanidade — enredo escrito sem saber que, em paralelo, tecnologias como o ChatGPT estavam em desenvolvimento.

Hoje, ele diz que o que almeja escrever é algo que não possa ser feito pelo robô. “Se o que você disser puder ser feito pelo ChatGPT, não faz sentido. O que Paulo Coelho faz, em minha humilde opinião, não faz sentido em 2025”, afirmou, defendendo que a escrita deve tratar de metáforas e imagens sofisticadas e complexas, para além do que uma linguagem artificial é capaz de formular.

“Concordo que a filosofia de hoje é escrever mal, porque o ChatGPT tenta escrever bem. [Buscar uma] escrita que tenha no fundo um ritmo ou uma pontuação que saia da norma pela qual se guia o ChatGPT”, disse Meruane.

A conversa entre os autores teve tradução simultânea de Lucien Beraha e Ramon de Barros.

A quarta edição d’A Feira do Livro 2025 acontece de 14 a 22 de junho, na praça Charles Miller, no Pacaembu. Realizado pela Associação Quatro Cinco Um, pela Maré Produções e pelo Ministério da Cultura, o festival literário paulistano, a céu aberto e gratuito, reúne mais de duzentos autores e autoras do Brasil e do exterior em uma programação com mais de 250 atividades, entre debates, oficinas, contações de histórias e encontros literários. Confira a programação e outras notícias do festival.

A Feira do Livro 2025 · 14 — 22 jun. Praça Charles Miller, Pacaembu

A Feira do Livro é uma realização do Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet – Incentivo a Projetos Culturais, Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos dedicada à difusão do livro e da leitura no Brasil, Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais, e em parceria com a Prefeitura de São Paulo.