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A cobertura especial d’A Feira do Livro, que acontece de 14 a 22 de junho, é apresentada pelo Ministério da Cultura e pela Petrobras

MINISTÉRIO DA CULTURA E PETROBRAS APRESENTAM

O escritor Pedro Mairal (Flavio Florido)

A FEIRA DO LIVRO 2025, Literatura,

Fazer literatura é prestar atenção na vida ao redor, diz Pedro Mairal

Autor argentino contou como encontrou na palavra uma identidade que lhe permitiu suportar a ideia de não saber quem é

22jun2025

Para o escritor argentino Pedro Mairal, fazer literatura não é matar elefantes na África como fez Ernest Hemingway, mas prestar atenção à vida que acontece ao seu redor, o tempo todo. Em conversa com Roberta Martinelli na mesa de encerramento d’A Feira do Livro neste domingo (22), o autor de A uruguaia (Todavia, 2018) afirmou que o mais importante para a escrita é ter um radar sensorial capaz de traduzir o mundo em palavras. “É aí que aparece a vida no texto”, disse. 

A palavra foi, inclusive, o que o salvou quando, aos dezoito anos, desistiu do curso de medicina e, sem coragem de contar aos pais, passou meses lendo em cafés enquanto fingia que estava na faculdade. “Encontrei na literatura uma maneira de viver com minhas perguntas, minhas incertezas, suportar a ideia de não saber quem sou.”

Mairal diz que carrega sempre um caderninho em que vai anotando o que observa. Essa espécie de papel de espião do mundo pode ser cansativo, admite, além de gerar desconfiança em quem é observado. Para ele, no entanto, é o tributo que escolheu oferecer em troca do presente de estar vivo — seja lá quem ou o quê lhe deu isso.

A mesa Encontro com Pedro Mairal (Flavio Florido)

Com um estilo à primeira vista simples e direto, o autor afirma que seu objetivo ao escrever é estabelecer uma relação de proximidade e intimidade com o leitor. “Mas isso me dá muito trabalho porque é um equilíbrio delicado entre a precisão verbal e não ser muito barroco, complicado demais. Ser coloquial e um pouco lírico”, afirmou. “Estou sempre perdendo esse equilíbrio, caindo para um lado ou para o outro, mas tudo se equilibra no cérebro de quem lê. Ou ao menos eu espero isso”, completou, rindo.

O argentino radicado no Uruguai é cético quanto à ideia de uma literatura latino-americana, apontando as especificidades de cada país da região, e de cada região dentro deles. “Creio que a América Latina só exista ao ser olhada da Europa”, afirmou. O que ele vê como elemento comum é “uma espécie de calor, ternura e erotismo” presentes tanto no português quanto no castelhano. 

Esse é o tema do seu livro mais recente, Fogo nos olhos: crônicas sobre o amor e outras fúrias (Todavia, 2025), que reúne colunas publicadas na seção “Nosso estranho amor” na Folha de S.Paulo. “Percebi que tinha um livro escondido nelas sem que eu soubesse. Os livros que mais gosto são os não planejados.”

Musicalidade da palavra

Além de romancista, o argentino também tem se dedicado ao trabalho com a música — um interesse que retomou aos quarenta anos, depois de tê-lo abandonado aos dezessete. O reencontro foi possível por uma estratégia que ele recomenda a todos: baixar as expectativas em relação a si mesmo.

“A literatura é algo que acontece no silêncio, por mais que eu sempre pense na musicalidade da palavra. A literatura pode acontecer nesse silêncio telepático entre autor e leitor. Mas a canção tem que sair, a música é física”, afirmou.

Essa atuação ainda é um desafio para o escritor, que se vê como alguém que prefere ficar nos bastidores. Tocar em público é algo que ainda lhe causa pânico, disse, e, sempre que o faz, tenta o máximo possível passar despercebido.

Traços assim aparecem de alguma forma em seus narradores, como o protagonista de A uruguaia, que, assim como o autor, em dado momento da história desiste de tocar violão e troca o instrumento por um ukelelê, mais simples. “Há um sentido na escolha de contar histórias do ponto de vista de algo próximo, mas há um perigo também, porque o leitor acaba associando a voz do livro ao próprio autor”, disse.

Mairal contou que ele e a mulher tiveram que convidar a família para um almoço após o lançamento do livro para mostrar que a realidade era bem diferente da trama de traição no centro do livro.

“O custo disso é que colocam frases do personagem como se fossem minhas. É curioso porque, se você escreve um livro policial ou de terror, e um personagem é um serial killer de mulheres, ninguém vai criticar isso. Mas se você escreve essa ficção mais próxima da sua realidade e coloca uma frase machista, vão dizer ‘olha o que o Mairal escreveu’.”

Remar a cada livro

Mairal não nega que os sucessos de Uma noite com Sabrina Love (Todavia, 2019), publicado originalmente em 1998, e de A uruguaia vinte anos depois afetam o seu trabalho — a começar por seus editores, que agora esperam um best-seller a cada duas décadas.

A poesia, as crônicas, os contos e a música são uma forma de escapar da ansiedade que a pressão por escrever novos romances lhe causa. “Agora estou terminando um livro grande, estou passando por uma ansiedade enorme. Nunca supero isso. A cada livro eu tenho que aprender a escrever”, afirmou. “Não é um motor, é sempre a remo. Tenho que remar cada livro.”

A quarta edição d’A Feira do Livro 2025 acontece de 14 a 22 de junho, na praça Charles Miller, no Pacaembu. Realizado pela Associação Quatro Cinco Um, pela Maré Produções e pelo Ministério da Cultura, o festival literário paulistano, a céu aberto e gratuito, reúne mais de duzentos autores e autoras do Brasil e do exterior em uma programação com mais de 250 atividades, entre debates, oficinas, contações de histórias e encontros literários. Confira a programação e outras notícias do festival.

A Feira do Livro 2025 · 14 — 22 jun. Praça Charles Miller, Pacaembu

A Feira do Livro é uma realização do Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet – Incentivo a Projetos Culturais, Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos dedicada à difusão do livro e da leitura no Brasil, Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais, e em parceria com a Prefeitura de São Paulo.

Quem escreveu esse texto

Fernanda Perrin

É jornalista.