A cobertura especial d’A Feira do Livro, que acontece de 14 a 22 de junho, é apresentada pelo Ministério da Cultura e pela Petrobras
MINISTÉRIO DA CULTURA E PETROBRAS APRESENTAM

A FEIRA DO LIVRO 2025,
Autoras discutem como olhar pode separar identidade e corpo
Camila Maccari e Izabella Cristo também debateram o poder da escrita para elaborar traumas e violências
21jun2025Em Infinita (Autêntica Contemporânea, 2024), Camila Maccari trata da experiência de uma protagonista gorda. Em mãezinha (Dublinense, 2025), Izabella Cristo se volta a uma mulher que dá à luz a partir da sua própria vivência como mãe e médica em uma UTI neonatal.
Em debate na mesa Infinita, medida por Silvana Tavano, n’A Feira do Livro neste sábado (21), as autoras discutiram como o olhar, seja o nosso ou o dos outros, forma e deforma o corpo, a ponto de provocar uma cisão entre nossa identidade e a forma orgânica que nos abriga.
“A gestação por si só é uma metamorfose, uma mudança do corpo, e a mulher vive no mundo através do corpo. Na maioria das vezes, essa metamorfose não é fácil”, disse Cristo, que venceu o Prêmio Caminhos de Literatura 2024 com mãezinha.
A protagonista do romance passa por uma experiência traumática, que sente como algo que vem de fora. “Ela vive uma gestação de risco e rompe com a imagem do próprio corpo”, disse Cristo.
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Já em Infinita, a personagem principal desde muito cedo se percebe como alguém que vive em um tipo errado de corpo. “Ela cresceu com a percepção de que seu corpo valia menos. Isso fez acontecer uma cisão: ela se vê como um indivíduo, mas o corpo é algo além. Ela não é o corpo dela”, afirmou Maccari, cujo primeiro romance, Dias de se fazer silêncio (Autêntica Contemporânea, 2023) venceu o Prêmio Açorianos de Literatura.
As duas autoras defenderam que a escrita pode ser uma forma de ressignificar o corpo, ao mesmo tempo em que reconhecemos sua concretude. “A escrita é um caminho para tentar entender o que na vida real eu não consegui [entender], e tentar encaixar esse corpo em algum lugar”, disse Cristo.
Elaborar a violência
Tanto no livro de Maccari quanto no de Cristo, a violência é um eixo central. No caso de mãezinha, atinge a protagonista médica, que se vê numa situação de impotência com o filho recém-nascido na UTI e é alvo da linguagem infantilizada com que profissionais de saúde tratam as mães. Em Infinita, se manifesta no ódio dos outros e da própria protagonista contra o corpo obeso que carrega.
“O livro me colocou num lugar muito complicado, de muita raiva. Foi muito estressante. E o que ele me deu de raiva, eu coloquei de volta nele. É um texto carregado de raiva”, disse Maccari. “A partir do momento em que você se molda pelo olhar do outro, e esse olhar do outro é violento, o que sobra para você? Que olhar você vai ter sobre você mesma?”, questionou.
Segundo Cristo, a prática de chamar as mães de “mãezinha” — algo ensinado nas escolas de medicina — não é necessariamente ruim para todas as mulheres que dão à luz. Muitas veem o termo como uma forma de cuidado, carinho, embora essa não seja a experiência de sua personagem.
“Toda situação de violência vem para mim automaticamente como uma denúncia. Escrever sobre isso, ressignificar através da escrita, não é um ato de raiva. É como se fosse um modo nobre de fazer uma vingança, de não deixar essa violência passar em vão”, afirmou.
Para a autora — que, vale lembrar, também é médica —, a ficção pode ser uma forma potente de convidar o leitor a se colocar no lugar de outra pessoa. “Em vez de dizer ‘eu sofro, eu sou assim’, dizer ‘vem aqui comigo, entra nessa UTI um pouco, veja esse espelho que eu encaro’.”
A quarta edição d’A Feira do Livro 2025 acontece de 14 a 22 de junho, na praça Charles Miller, no Pacaembu. Realizado pela Associação Quatro Cinco Um, pela Maré Produções e pelo Ministério da Cultura, o festival literário paulistano, a céu aberto e gratuito, reúne mais de duzentos autores e autoras do Brasil e do exterior em uma programação com mais de 250 atividades, entre debates, oficinas, contações de histórias e encontros literários. Confira a programação e outras notícias do festival.
A Feira do Livro 2025 · 14 — 22 jun. Praça Charles Miller, Pacaembu
A Feira do Livro é uma realização do Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet – Incentivo a Projetos Culturais, Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos dedicada à difusão do livro e da leitura no Brasil, Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais, e em parceria com a Prefeitura de São Paulo.