A cobertura especial d’A Feira do Livro, que acontece de 14 a 22 de junho, é apresentada pelo Ministério da Cultura e pela Petrobras
MINISTÉRIO DA CULTURA E PETROBRAS APRESENTAM

A FEIRA DO LIVRO 2025,
A questão Palestina foi destaque do segundo dia d’A Feira do Livro
Literatura, desigualdades e saúde mental foram debatidas em mesas que tiveram Alexandra Lucas Coelho, Tati Bernardi e Aline Bei
16jun2025A questão Palestina foi um dos principais destaques d’A Feira do Livro neste domingo (15), na praça Charles Miller, assim como literatura, desigualdades e saúde mental, em mesas que tiveram a jornalista portuguesa Alexandra Lucas Coelho, a geógrafa estadunidense Ruth W. Gilmore e as escritoras paulistanas Aline Bei e Tati Bernardi.
A jornalista e escritora portuguesa Alexandra Lucas Coelho denunciou a Europa e o jornalismo como alguns dos cúmplices do massacre em curso na Faixa de Gaza, em uma das mesas mais aplaudidas d’A Feira do Livro 2025 neste domingo (15). Coelho, que acaba de lançar um compilado de textos sobre o genocídio palestino perpetrado por Israel, intitulado Gaza está em toda parte (Bazar do Tempo), foi implacável em suas críticas à nova guerra que mobiliza a região desde 7 de outubro de 2023, mas suas observações mais contundentes foram dirigidas a duas entidades das quais é íntima: a Europa, continente em que nasceu, e o jornalismo, profissão que exerceu durante a maior parte de sua trajetória e motivo pelo qual se aproximou da causa palestina em primeiro lugar.
Antes da mesa, a escritora havia participado de uma manifestação pró-Palestina e muitos dos participantes foram assistir à sua fala, que aconteceu no Auditório Armando Nogueira, no Museu do Futebol. O ato pedia ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que rompesse as relações do Brasil com Israel, a quem acusam de genocídio do povo palestino. O trajeto do protesto, iniciado pela manhã na praça Roosevelt, no centro de São Paulo, foi encerrado em frente à praça Charles Miller, no Pacaembu, onde acontece A Feira do Livro.
O plano era que o trajeto terminasse na praça Cinquentenário de Israel, no bairro de Higienópolis, mas após negociação com a Polícia Militar a rota foi desviada para as proximidades da praça Charles Miller. Depois do fim do protesto, intitulado “Basta de genocídio na Palestina”, um grupo de pouco mais de vinte manifestantes circulou n’A Feira do Livro carregando bandeiras palestinas e cartazes contra Israel. Eles entoaram dizeres como “chega de chacina, PM na favela e Israel na Palestina” e “Palestina livre do rio ao mar”.
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No mesmo tema, o Tablado Literário das Bancadas fechou o dia com uma convidada internacional: a escritora e ativista cultural sul-africana Zukiswa Wanner, em conversa com Daniel Martins de Araújo, da editora Periferias, para lançar Amar, casar, matar e uma reedição de Relatos da vida palestina sob estado de apartheid, publicado originalmente em 2023, no qual compara o regime de apartheid sul-africano com o israelense em relação aos palestinos.
Literatura
A literatura foi tema de algumas mesas importantes, dentre elas uma homenagem aos quarenta anos de carreira literária de Edimilson de Almeida Pereira, que aconteceu no Auditório Armando Nogueira. Desde seu primeiro livro, Dormundo (D’Lira, 1985), o autor e professor mineiro diz que hoje vê sua obra não como uma preocupação com desvendar caminhos, mas um ponto “numa teia muito maior que nos move”. “Aprendi a ler poemas que não gosto, poetas que não aprecio. É dessa diferenciação que vem esse caminho”, afirmou em conversa com a crítica literária Cristiane Tavares. “Procuro essa errância que me dá direito a experimentar as outras máscaras que os outros são”, disse.
Outra mesa que tratou da produção literária de autores foi Conexão afro-atlântica, que abriu o segundo dia d’A Feira do Livro, às 10h15, no Palco Petrobras. Nela, estavam o escritor paulista Cuti, que falou da sua antologia poética Ritmo humanegrítico (Companhia das Letras, 2024), e o autor, cantor, compositor e político cabo-verdiano Mário Lúcio Sousa, que está lançando O livro que me escreveu (Solisluna). A conversa teve mediação de Paulo Werneck, diretor-geral do festival literário paulistano.
Os dois convidados debateram o conceito de “literatura negra”, mostrando que não há um consenso sobre o termo. Se na África a definição não faz muito sentido, pois toda literatura feita no continente é negra, no Brasil ela pode ser importante para demarcar uma identidade política de grupos historicamente oprimidos e invisibilizados.
Outro destaque foi a mesa Diante da lembrança, que colocou o público frente a frente com uma das maiores escritoras portuguesas da atualidade, no Palco Petrobras d’A Feira do Livro. Lídia Jorge narrou como o processo de luto pela perda de sua mãe desembocou no seu romance Misericórdia (Autêntica Contemporânea, 2024), que ela definiu como “uma espécie de triunfo sobre a morte”, em outras palavras, “a ideia de que haja o que houver além de nós, enquanto alguém falar por nós, nós existimos”. “Isso me deu força para escrever em muito pouco tempo este livro, era como se ela ainda não tivesse desaparecido”, afirmou em conversa mediada pela escritora e professora Luana Chnaiderman de Almeida. “É por isso que este livro tem este tom, que não é melancólico, é um tom de combate.”
Já na mesa que encerrou a noite d’A Feira, a escritora Tati Bernardi riu e arrancou risadas ao narrar alguns dos episódios de seu livro mais recente, A boba da corte (Fósforo, 2025), ao lado da jornalista Aline Midlej. Durante a conversa, ela discutiu as críticas à sua incursão pela autoficção, refletiu sobre os códigos que regem o comportamento da elite paulistana e contou como a escrita foi o lugar de pertencimento que ela criou para si. “Eu celebro quando minha vida está cagada, porque sei que vai ter o que escrever”, disse.
Desigualdades
A punição nos sistemas neoliberais sustenta o capitalismo racial e, por isso, a conquista de uma verdadeira abolição começa na luta contra o encarceramento, afirmou Ruth Gilmore Wilson. A geógrafa e ativista antiprisional estadunidense esteve no final da tarde de domingo (15) no Palco Petrobras d’A Feira do Livro, em uma conversa com a feminista negra anitpunitivista Juliana Borges, colunista da Quatro Cinco Um.
As duas conversaram sobre a lógica sistêmica do racismo, que leva ao abandono organizado de populações negras, pobres e periféricas, e como a violência organizada (de forças policiais ou de milícias) é usada para excluir ainda mais essas populações sob pretextos como “guerra às drogas”. As atuais medidas do governo Trump contra conquistas antirracistas e a ascensão da extrema direita no mundo também foram temas abordados na mesa.
Outra mesa que tratou do tema foi a que reuniu os economistas Mariana Almeida e Pedro Fernando Nery, que tiveram a difícil tarefa de falar sobre um dos problemas mais persistentes — e complexos — do Brasil: a desigualdade. Na mesa 40 anos de democracia: desigualdades, com mediação do jornalista Rafael Cariello, eles discutiram dificuldades para implantar e comunicar políticas públicas, avanços dos últimos anos e distorções quase invisíveis, como o fato de que pessoas de classe média recebem isenções no imposto de renda que são maiores que os benefícios do Bolsa Família.
Enquanto isso, a mesa De Marte à favela, que aconteceu no Palco Petrobras, tratou da necessidade de soluções multifacetadas para a pobreza, que estejam sempre se adaptando e incentivem a participação das próprias pessoas atingidas. A conversa aconteceu com a jornalista e âncora da GloboNews Aline Midlej, mediada pela jornalista Eliane Trindade.
“A pobreza não tem solução definitiva. Quem disser que tem está mentindo. Porque é algo que está sempre mudando, que precisa de soluções que se adaptem sempre”, disse Midlej, comentando o trabalho da ONG Gerando Falcões apresentado no livro De Marte à favela: como a exploração espacial inspirou um dos maiores projetos de combate à pobreza do país (Planeta, 2024). “Nesses dois anos [de escrita], eu entendi o quanto o problema é complexo. E não tem solução simples para problemas complexos.”
Saúde mental e filas
Com um tablado lotado, todos os bancos preenchidos, gente de pé e o mais puro silêncio, muita gente escutou o que a psicanalista Vera Iaconelli e a psiquiatra Juliana Belo Diniz tinham a dizer. Na mesa Muito além da psiquiatria, mediada pela jornalista Cláudia Colucci no Espaço Motiva Tablado Literário, elas discutiram dilemas e limites da psicoterapia e do diagnóstico psiquiátrico, a patologização de sentimentos humanos e terapeutas de inteligência artificial.
As duas tiveram como cerne da conversa os desafios da psicoterapia hoje. “Enxergamos tudo como sintoma, quando na verdade são limites da vivência humana”, disse Diniz, que estreia no mercado editorial com O que os psiquiatras não te contam (Fósforo, 2025). “Não podemos colocar a psiquiatria para resolver problemas estruturais: excesso e más condições de trabalho, desigualdade social etc. A psiquiatria deve fazer parte do debate, mas não temos a solução.”
“O sintoma é sempre relacional, datado e funciona para uma certa cultura. O que para nós é um sintoma, pode ser totalmente normal em outras épocas, outras culturas”, complementou Iaconelli, que lança Análise (Companhia das Letras, 2025), mistura de memórias pessoais e reflexões teóricas de clínica.
A noite foi encerrada com longas filas de autógrafos de leitores que desejavam ter exemplares dos três romances da autora paulistana Aline Bei: O peso do pássaro morto, Coreografia do pequeno adeus e Uma delicada coleção de ausências, este último seu lançamento mais recente pela Companhia das Letras. A escritora participou da mesa Entre nós, às 15h30, no Palco Petrobras, junto com a autora e tradutora potiguar Bruna Dantas Lobato, que lançou Horas azuis (Companhia das Letras, 2025), sua estreia na literatura. “Foi uma das filas mais longas de autógrafos que eu já assinei na minha trajetória como escritora”, comentou Bei, que ficou três horas e meia recebendo admiradores.
A quarta edição d’A Feira do Livro 2025 acontece de 14 a 22 de junho, na praça Charles Miller, no Pacaembu. Realizado pela Associação Quatro Cinco Um, pela Maré Produções e pelo Ministério da Cultura, o festival literário paulistano, a céu aberto e gratuito, reúne mais de duzentos autores e autoras do Brasil e do exterior em uma programação com mais de 250 atividades, entre debates, oficinas, contações de histórias e encontros literários. Confira a programação e outras notícias do festival.
A Feira do Livro 2025 · 14 — 22 jun. Praça Charles Miller, Pacaembu
A Feira do Livro é uma realização do Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet – Incentivo a Projetos Culturais, Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos dedicada à difusão do livro e da leitura no Brasil, Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais, e em parceria com a Prefeitura de São Paulo.
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