Livraria Amadeu

Amadeu Cocco desistiu de ser servidor público pelo mesmo motivo que Juscelino Kubitschek abandonou a medicina e virou político. Em 5 de setembro de 1933, Amadeu estava no Palácio da Liberdade, sede do governo mineiro. Ele aguardava uma reunião com Olegário Maciel, então governador. Na pauta, um pedido de emprego: depois de cerca de um ano trabalhando na Livraria Morais, na época uma das principais de Belo Horizonte, Amadeu estava farto dos livros. Tinha sido indicado para uma vaga de contínuo da Secretaria da Educação e precisava da assinatura de Maciel para assumir o posto.   

Depois de uma longa espera, o rapaz de dezessete anos foi mandado para casa, com o argumento de que o governador não estava se sentindo bem. No dia seguinte, ao abrir os jornais, Amadeu soube que Olegário Maciel estava morto. A partida do mandatário de Minas foi o que manteve Amadeu trabalhando com livros. Foi também o que levou JK para a política — o então médico foi nomeado chefe da Casa Civil estadual pelo novo governador, Benedito Valadares, de quem era amigo. 

Aberta há quase oito décadas, em 1948, a Livraria Amadeu é um lugar especializado em contar histórias. As existentes nos livros — são mais de quarenta mil exemplares nas estantes —, mas também as de Amadeu, que trabalhou ali até a morte, aos 93 anos, em 2009. Desde então, a loja focada em exemplares usados é administrada por dois filhos do livreiro, Lourenço e Amadeu Carrato, que acrescentaram suas próprias histórias ao negócio familiar. 

Ao contrário de outras livrarias da capital mineira citadas neste guia, a Amadeu não fica na Savassi, bairro que concentra o comércio sofisticado, o centro hoteleiro e a vida boêmia em Belo Horizonte, nem é vizinha de cafés e restaurantes famosos. A loja está no baixo centro da cidade, perto do terminal rodoviário, na rua dos Tamoios — um endereço tradicionalmente frequentado por muitos escritores e escritoras. Um dos clientes mais conhecidos foi Roberto Drummond, autor de Hilda Furacão, romance de 1991 que se passa nas ruas ao redor da livraria.

O cenário com prateleiras abarrotadas, livreiro no alto da escada, além de pilhas e pilhas de livros, é tão impactante que não atrai apenas quem gosta de ler. Passeios turísticos pelo centro de Belo Horizonte costumam incluir na rota a livraria, que tem clientes fiéis de várias partes de Minas Gerais e até de outros estados. Chamar a Livraria Amadeu de cenário não é mera alegoria: o estabelecimento já foi utilizado em vários ensaios fotográficos e até como locação de filme, o drama Canção ao longe, lançado em 2022. 

A organização do acervo com dezenas de milhares de livros é manual e está na cabeça dos livreiros. Apesar disso, o negócio tem presença online e entrega em todo o Brasil. Nos últimos tempos, a livraria tem feito sucesso nas redes sociais, o que atraiu novos consumidores. “O leitor jovem que vem na loja é uma resposta. É a luz no fim do túnel”, comemora Lourenço. 

Os donos até tentaram vender também livros novos, mas entenderam que a concorrência com a internet torna esse mercado menos lucrativo. “Nosso diferencial são as obras raras e já esgotadas, que você dificilmente vai achar em outro lugar. Mesmo que o cliente para esses livros não seja o mais comum, é o que acaba dando um retorno maior”, explica o livreiro. 

Para ele, o trabalho do pai explica a longevidade da loja. “A gente só está mantendo o que ele construiu. Meu pai criou uma tradição, os clientes dele ainda vêm aqui, gostam de comprar aqui”, diz. Embora a livraria seja administrada há mais de uma década pelos filhos do fundador, Amadeu Cocco parece ainda estar lá. Não apenas nas fotos, mas nas escadas usadas para alcançar os livros, onde os degraus preservam o desgaste causado pelos pés dele. “Essa livraria é meu pai”, conclui Lourenço.