Leonardo Da Vinci

“Do subsolo modernista, essa modesta livraria já passou por quase tudo. Enfrentou toda sorte de crises, dificuldades financeiras, sobreviveu a uma ditadura, à censura, a um incêndio, à chegada de corporações monopolistas, a ofensas e ameaças, a um certo sentimento anti-intelectual, à indigência da nossa vida cultural, à gentrificação. E, se faltava alguma coisa, a Da Vinci atravessou uma pandemia. Durante os mais de 120 dias em que esteve fechada, sua última prova antes de chegar aos 70 anos, a Da Vinci mais uma vez existiu.“

A livraria carioca Leonardo Da Vinci (Marcello Dias/Divulgação)


O texto, publicado em setembro de 2022 no blog da Leonardo Da Vinci por seu atual dono, Daniel Louzada, dá uma ideia das muitas vidas que a livraria já teve. É a mais antiga do Rio de Janeiro e uma das mais importantes do país. Fundada em 1952 por Andrei Duchiade e Vanna Piraccini e administrada a partir de 1996 pela livreira Milena Duchiade, filha dos criadores, ela se firmou desde os primeiros anos como porto seguro para intelectuais, escritores e professores. Carlos Drummond de Andrade era um dos frequentadores assíduos, daqueles que ajudaram a casa a se reerguer após o incêndio que a devastou em 1973, e chegou a lhe dedicar o poema “Livraria”, publicado no livro As impurezas do branco.

O diferencial da Da Vinci dos tempos áureos era importar livros de grandes autores estrangeiros de diversas áreas, das ciências sociais aos quadrinhos, numa época em que o Brasil ainda tinha lacunas grandes na tradução de obras de referência internacionais. Nascida no edifício Delamare, na avenida Presidente Vargas, a loja foi deslocada quatro anos depois de sua fundação para o edifício Marquês do Herval, projeto modernista dos Irmãos Roberto, na avenida Rio Branco. À entrada, é preciso percorrer a grande rampa em formato de caracol, cercada por painéis do muralista Paulo Werneck, para chegar à galeria do subsolo onde está instalada a livraria. Na época de ouro, havia quem descrevesse o caminho como uma espécie de portal, que deslocava o cliente do frenesi do coração do Centro para o silêncio das prateleiras repletas de tesouros raros.

Mas o tempo passou. Muita coisa mudou. As editoras começaram a traduzir mais, as telas passaram a dominar a atenção dos leitores, o Centro sofreu inúmeras transformações — na mais recente, a circulação de carros e ônibus ficou restrita em boa parte da avenida, com a chegada do VLT. Em 2015, Milena Duchiade anunciou que fecharia as portas. Foi uma comoção. Reportagens, mobilizações, relatos emocionados. E uma solução apareceu no fim do túnel. 

Com experiência de dezessete anos na gerência de lojas da Saraiva em Porto Alegre e São Paulo, o gaúcho Daniel Louzada pegou sua verba de rescisão e comprou a Leonardo Da Vinci. A reabertura, em 2016, foi marcada pelo desafio: como manter a alma da livraria, seguindo à altura de uma história tão importante, e ao mesmo tempo oferecer algo que dialogue com os novos tempos?

Aos poucos, a nova Leonardo Da Vinci vem encontrando seu caminho. Segue como um espaço de bibliodiversidade. Ainda que seu livreiro dê ênfase a obras de política e história, não ignora os best-sellers. Introduziu um café — foi lá, por exemplo, a última aparição pública de Ferreira Gullar antes de morrer, em 2016 — e uma robusta agenda de eventos. Em média, são mais de 100 debates e lançamentos por ano. Também há produtos de papelaria e uma seção de livros usados. Tudo com opção de compra pelo site. 

Os dois primeiros anos após a reabertura foram difíceis, enfrentando inclusive a desconfiança de antigos frequentadores. Depois, veio a apreensão da pandemia. Louzada fez uma publicação no blog da livraria em que contava sentir falta “das pessoas que conheço e não conheço, do cheiro do café, das conversas, das interrupções, da casa cheia e dos debates, do homem que invadia a loja esbaforido”. O texto viralizou e rendeu contatos emocionados de leitores e livreiros de várias partes do Brasil.

Nos últimos anos, a livraria vem se fortalecendo. Em 2021, nasceu a Da Vinci Livros, editora que já publicou obras de autores como Rubens Casara, Juarez Tavares e Juliane Furno. Louzada também criou o selo Da Vinci Jur, voltado ao universo jurídico. Além disso, entrevista personalidades quinzenalmente no videocast Subsolo, com o jornalista Leonardo Cazes, fortalecendo a presença da Da Vinci na internet como espaço nacional de irradiação cultural.

Se logo na entrada da livraria uma placa declara que aquele é um "território livre de algoritmos", Louzada sabe que as redes sociais são importantes para o negócio. Presencial e virtualmente, faz sucesso um recurso simples: post-its com recados curtos, engraçados ou irônicos, em cima dos livros. Na capa de A internacional Lava Jato, por exemplo, está o papelzinho amarelo “Conjas e conjes, uni-vos”. Em Cazuza: meu lance é poesia, “Compre e ganhe mil rosas roubadas”. ”O objetivo é ser leve, tirar o livro do pedestal”, contou ele no episódio do Subsolo em que celebrou os 72 anos da Da Vinci, em setembro de 2024. 

(Helena Aragão visitou a livraria em setembro de 2024)

Endereço Avenida Rio Branco, 185, subsolo, lojas 2, 3 e 4, Centro, Rio de Janeiro (RJ)