{ Bagagem literária } Livrarias
Folha Seca
A Folha Seca nasceu em 1998, dentro do Centro de Artes Hélio Oiticica, no Centro do Rio. Em 2003, migrou para perto, se instalando numa loja na rua do Ouvidor. “[Mas] tem gente que acha que é da época do Machado de Assis”, diverte-se Rodrigo Ferrari, acrescentando que já desistiu de desmentir a lenda urbana de que sua livraria é a mais antiga da cidade. O escritor Alberto Mussa colaborou com a narrativa atemporal: a “livraria do Ferrari” já foi cenário em dois de seus romances: A hipótese humana (2017), que se passa no século 19, e A extraordinária Zona Norte (2024), cuja história acontece em 1974.
É possível que isso se deva ao fato de a Folha Seca estar tão bem inserida numa das partes mais antigas do Rio, parecendo ter ocupado desde sempre o número 37 de uma das ruas mais tradicionais da cidade. Espalha-se pelo térreo e o mezanino de um pequeno edifício “mais do que centenário” e atrai uma clientela fiel a animados lançamentos e rodas de samba. Destaca-se, entre outras coisas, por causa da vitrine dedicada a temas caros ao Rio de Janeiro: música, futebol, carnaval, arquitetura, além de livros que tratam de questões que afetam as metrópoles em geral. Tudo isso a fez ser conhecida também por outra frase de efeito, talvez mais realista: a mais carioca das livrarias.
A trajetória que levou até esse ponto começa em meados dos anos 90, quando Ferrari era um estudante de história que trabalhava como vendedor na Dazibao, importante livraria da época. O espaço no Centro Hélio Oiticica havia sido ocupado pelos antigos patrões numa tentativa de expansão. O livreiro já tinha vontade de ter seu próprio negócio, e acabou assumindo a loja em sociedade com Daniela Duarte. Assim surgiu a Folha Seca original, já com esse nome – uma homenagem ao chute com efeito criado nos anos 50 pelo jogador Didi, que fazia a bola cair repentinamente na direção do gol, e ao samba de Guilherme de Brito e Nelson Cavaquinho. No local também já havia uma destacada prateleira dedicada a livros sobre o universo carioca.
Foram seis anos até surgir a oportunidade de alugar a loja na rua do Ouvidor. Apesar de sua importância histórica, a via no quarteirão entre a Primeiro de Março e a rua do Mercado estava bem castigada no período. A Folha Seca e outros empreendimentos acabaram ajudando a revitalizar a área naqueles primeiros anos. Os sambas, antes raros, agora são comuns na região. “Não sou produtor de roda de samba, faço porque gosto, mas saber que essas rodas começaram espontaneamente e viraram movimento cultural da cidade é muito legal”, observa Ferrari, que desde 2009 toca a livraria sozinho.
A Folha Seca também é editora, ainda que não tenha ambição de crescer neste segmento. Em 1995, antes mesmo de criar os dois negócios, Ferrari teve uma experiência editorial ao publicar, com o designer Egeu Laus, a revista Roda de choro. Foram seis edições, que inclusive ajudaram a aproximá-lo de músicos da cena instrumental carioca. Em 1999, já com a livraria, foi convencido por Hermínio Bello de Carvalho a editar um livro de poemas dele, Contradigo, e reeditar uma coletânea de crônicas do autor, Cartas cariocas para Mário de Andrade. Em seguida, o sambista e escritor Nei Lopes quis lançar uma obra inédita, 171, Lapa-Irajá, pela Edições Folha Seca. Hoje, são mais de trinta livros no catálogo.
Os dois autores são visitantes assíduos da livraria, que tem outros frequentadores ilustres (carinhosamente chamados de “folhasequenses”) como o ilustrador e caricaturista Cássio Loredano e o historiador Luiz Antonio Simas. Sem falar nos músicos, como Pedro Amorim e Tiago Prata. Além das rodas de samba e de choro que já tiveram canjas de nomes como Paulinho da Viola e Beth Carvalho, o dono da Folha Seca costuma botar um piano de cauda na rua para celebrar os aniversários da loja, que coincidem com o feriado de São Sebastião, padroeiro da cidade, em 20 de janeiro.
Na comemoração de 26 anos, em 2024, a multidão que se aglomerou para ver tocarem pianistas como Cliff Korman protagonizou uma cena que viralizou na internet: ali do lado, um casamento aconteceria no período da tarde e, em clima de pré-carnaval, os foliões abriram um enorme corredor para a passagem da noiva e seu pai, gritando o nome dela até a entrada da dupla na Igreja de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores. Mais um episódio que entrou para a singular história “folhasequense”.
(Helena Aragão visitou a livraria em outubro de 2024)
Instagram https://www.instagram.com/folhaseca37/
Endereço Rua do Ouvidor, 37, Centro, Rio de Janeiro (RJ)
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