Caramurê

Levou quase trinta anos para a Caramurê ter um lugar que, literalmente, representasse o seu nome. A palavra é uma variação de kirimurê, o “grande mar interior”, como os tupinambás chamavam a baía de Todos os Santos. A livraria está localizada no Pólo de Economia Criativa do bairro do Comércio, em Salvador. Ocupa uma das lojas da Doca 1, que fica ao lado do Terminal Turístico Náutico da Bahia, complexo com fachadas de vidro que dão ao público a sensação de navegar rumo à ilha de Itaparica, do outro lado da baía.

Chamar a Caramurê de livraria, porém, é pouco. O negócio, que nasceu nos anos 90 como editora especializada em autores baianos, se firmou como espaço cultural. Além de vender livros — do próprio catálogo da casa editorial e de editoras parceiras, da Bahia e de outros estados, como Edufba, Mondrongo, Cortez, Tibi e Boitatá —, promove eventos literários e musicais, mantém um café, e ainda funciona como restaurante. O cardápio traz iguarias nomeadas com os títulos que estão nas prateleiras e vitrines. Para completar, a arte local retratada em algumas publicações também está nos objetos e souvenirs vendidos ali, como esculturas, gravuras, azulejos, camisas e canecas.

O editor e livreiro Fernando Oberlander conta que a Caramurê materializa no cenário da Cidade Baixa a intenção de resguardar a cultura, a identidade e a história da Bahia. Diverso, o acervo reúne obras sobre iconografia, história, arquitetura e literatura, com destaque para novos autores vindos do teatro, da música, da comunicação e da filosofia. 

Os títulos são divididos em cinco categorias. Nos livros de arte, que costumam ter as edições mais primorosas, Oberlander se notabilizou por juntar belas fotografias e textos de historiadores como Cid Teixeira (1924-2001) e Daniel Rebouças, grandes especialistas na memória da velha Cidade da Bahia —, nome pelo qual Salvador foi chamada por tantos anos e que hoje é uma expressão nostálgica e poética da cidade. 

Nos contos e crônicas, é possível encontrar autores como Ruy Espinheira Filho, João Carlos Teixeira Gomes, Marcos Vinícius Rodrigues, Breno Fernandes e Saulo Dourado. Há ainda romances de Jorge Portugal, Aleilton Fonseca e Ian Fraser, além de coletâneas de poemas de Damário da Cruz, José Carlos Capinan e Lívia Natália. Já entre os títulos infantis, o destaque é para a coleção Eu Vim da Bahia, que apresenta para crianças grandes e pequenas figuras históricas como o sambista Riachão (1921-2020) e a ialorixá Mãe Menininha do Gantois (1894-1996). 

A sócia e companheira de Oberlander, Márzia Chastinet, explica que a ideia é sempre diversificar as atividades do espaço da Caramurê. Além dos lançamentos, saraus e encontros de contação de histórias, aos fins de semana acontecem a Feijoada Literária e os Domingos Musicais, que já entraram para a agenda cultural da cidade, atraindo moradores e turistas. Também já foram realizadas homenagens à escritora Mabel Velloso e aos poetas Capinan e Damário da Cruz, com a presença dos dois primeiros homenageados e da família do terceiro, morto em 2010.

Antes de atracar na Doca 1, a Caramurê teve loja no bairro da Pituba e funcionou em quiosques em dois grandes shoppings de Salvador. Os espaços eram pequenos e pouco convidativos para a proposta de ser um centro cultural, ideia que começou a ganhar corpo em 2022, com a abertura de uma unidade em outro endereço nobre de Salvador, o Museu de Arte Moderna da Bahia, localizado no Solar do Unhão, também às margens da baía de Todos os Santos. 

Márzia conta que o desafio de produzir literatura na Bahia só aumentou depois da entrada na área gastronômica, na qual ela e Oberlander são iniciantes. “Ser uma editora pequena é algo que custa caro. Além disso, escolhemos trazer a loja para esse lugar lindo, mas que temos que conquistar, porque as pessoas não vêm ao Comércio para lazer, ainda é um lugar muito associado ao trabalho”, enfatiza. “Mas, aos poucos, estamos mostrando que é possível essa outra proposta”.