Literatura brasileira,
Reescrevivendo Macabéa
Na releitura de escritora mineira, a protagonista de ‘A hora da estrela’ é uma moça-flor de mulungu
26jul2023 | Edição #72Em 2012, a escritora mineira Conceição Evaristo participou de um projeto de releitura da obra de Clarice Lispector. Convidados pela editora Oficina Raquel, doze autores escreveram contos, que foram publicados no livro Clarice Lispector: personagens reescritos, lançado pela editora.
A edição da coletânea já está esgotada, mas, neste ano, Evaristo fez uma reescrevivência de seu texto sobre Macabéa, a protagonista de A hora da estrela, um dos romances mais famosos de Lispector.
‘Eu vi a a moça, a outra. Uma Macabéa outra. E essa outra, vi em seu estado de breve floração’
A versão ampliada do conto Macabéa, flor de mulungu, de Conceição Evaristo, será publicada no final de 2023, com ilustrações de Luciana Nabuco, pela Oficina Raquel. Leia a seguir um trecho inédito.
Desde quando vi e não só olhei de relance a moça Macabéa, caída e semimorta no chão, imaginei que a flor de mulungu seria para ela, ou melhor, seria ela.
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E nem sei por quê. Só mais tarde a minha suspeição ficou confirmada. Sim, Macabéa, Flor de Mulungu.
Foi preciso tempo. Um tempo profundo, mas de resumidas horas. Eu não tinha a vida inteira a me esperar e a dela parecia estar quase-quase se esvaindo… eu vi a moça, a outra. Uma Macabéa outra. E essa outra, vi em seu estado de breve floração.
Mas em estado tão breve, que de tão breve, em mim se fez eterno. De Macabéa todas as pessoas fantasiavam somente a brabeza do desamparo. Para muitas, a moça padecia de solidão crônica. E ficavam a imaginar a solitária vida de Macabéa. Umas achavam lágrimas em seu rosto. Viam punhados de águas secas. Outras assistiam sorrisos vazados de sua boca fechada a sete chaves, donde nem mosquito-riso passava. Muitíssimas ainda escutavam gritos que perfuravam o espaço do nada. Lugar no qual julgavam que ela nadava.
E tantas eram as verdades inventadas acerca de Macabéa, que se a pobre sofrente tomasse conhecimento de tudo que era criado a respeito dela, na certa não suportaria tudo em si. Explodiria de tanto ser aquilo que ela nem sabia se era. Havia ainda pessoas que acreditavam que a moça trazia em si um corpo feito de uma interioridade nula e incurável. Vazio próprio de um mal antecedente original. Essas sim, condoídas por ela, choravam. Macabéa, nem sei que não. Creio que a sofrida invenção que criavam para Macabéa doía mais no criador e talvez, bem menos, na criatura.
Matéria publicada na edição impressa #72 em julho de 2023.
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