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A cobertura especial d’A Feira do Livro, que acontece de 14 a 22 de junho, é apresentada pelo Ministério da Cultura e pela Petrobras

MINISTÉRIO DA CULTURA E PETROBRAS APRESENTAM

Beatriz Bracher e Joca Reiners Terron (Flávio Florido)

A FEIRA DO LIVRO 2025,

‘Esquecemos que tem gente nas guerras’, critica Beatriz Bracher

Escritora conversou sobre processo de escrita de seu romance-colagem, que costura documentos, cartas e testemunhos da Guerra do Paraguai

21jun2025

A escritora Beatriz Bracher afirmou que não pretendia escrever a favor ou contra nada ao se lançar na empreitada de publicar uma trilogia de romances sobre a Guerra do Paraguai (1864-70). Mas espera que quem leia os livros “passe a ter horror à guerra, e passe a não ver só o grande, veja o pequeno. Irã, Israel, Gaza, Ucrânia, essas guerras todas, tem um monte de gente passando por isso duzentos anos depois [da Guerra do Paraguai]. Esquecemos que tem gente nas guerras”, disse neste sábado (21) em conversa com o escritor Joca Reiners Terron no Palco Petrobras d’A Feira do Livro.

Guerra I: ofensiva paraguaia e reação aliada, que saiu em 2024 pela Editora 34, é o primeiro desses “romances-colagens”, que costuram cartas, diários e testemunhos em uma narrativa cuidadosamente organizada pela autora. “A regra para [um texto] entrar é que [seu autor] tivesse combatido na Guerra do Paraguai ou que fosse algum político ou jornalista relacionado ao tema e o texto fosse daquela época”, explicou.

A leitura das memórias do Visconde de Taunay, que lutou no conflito ainda jovem e antes de receber o título nobiliárquico, foi o estopim de uma busca de Bracher por mais relatos em primeira mão da guerra que opôs a Tríplice Aliança de Argentina, Brasil e Uruguai ao Paraguai do implacável Solano López. “Desde 2016 fui separando fragmentos e cada vez me apaixonando mais, não pela guerra, mas pelos textos, pelos homens, pela paisagem, era muito forte aquilo.”

A autora lembrou que, no início, sua ideia era criar um personagem fictício, que percorresse todo o conflito, e somá-lo aos fragmentos. “Ficou completamente bobo porque a beleza não era contar uma história, era fazê-los viver através dos textos [recolhidos], não da minha palavra”, disse sobre os personagens históricos que aparecem no livro.  

Beatriz Bracher (Flávio Florido)

Para que isso acontecesse, Bracher decidiu “sumir” e desistiu da ideia dos trechos ficcionais. O palco, disse ter percebido, “era dos soldados, principalmente do texto dos soldados”. A escritora contou que demorou cinco anos para entender que deveria organizar o livro em ordem cronológica: “Quando resolvi fazer isso, aí a coisa andou fácil. É trabalhoso, mas depois que você lê o livro, seleciona o fragmento, a hora da colagem é muito gostosa”. Ela disse enxergar o processo como uma homenagem a quem viveu a guerra. “Não é uma vampirização, é quase uma ressuscitação, uma vivificação.”

Escravizados na guerra

Apesar da dificuldade de encontrar testemunhos escritos por pessoas escravizadas no período — a abolição ainda demoraria quase duas décadas depois do fim da guerra —, Bracher enfatizou a participação desse grupo no conflito e as brutais condições de recrutamento pelo Império e de tratamento no Exército brasileiro.

“Até abril de 1866 os escravizados iam nessa ideia de substituto. Você não ia [para a guerra] se entregasse alguém no seu lugar”, afirmou. Ela lembrou que os escravizados eram primeiro libertados para depois se alistarem, o que, formalmente, fazia do Exército uma corporação só de homens livres.

Joca Reiners Terron (Flávio Florido)

Em 1866 a lei foi alterada e o Império passou a comprar os escravizados. “Muitas vezes os senhores vendiam escravizados mancos ou com alguma insuficiência respiratória. Queriam ganhar dinheiro com aquele escravizado que já não servia a ele como força de trabalho”, disse Bracher. “Sempre se fala que a convivência entre pretos e brancos, lado a lado, teria apressado a abolição. A explicação é boa, mas se você pensa que a guerra acabou em 1870 e a abolição veio desoito anos depois, se não tivesse sido apressada, quando seria?”

A quarta edição d’A Feira do Livro 2025 acontece de 14 a 22 de junho, na praça Charles Miller, no Pacaembu. Realizado pela Associação Quatro Cinco Um, pela Maré Produções e pelo Ministério da Cultura, o festival literário paulistano, a céu aberto e gratuito, reúne mais de duzentos autores e autoras do Brasil e do exterior em uma programação com mais de 250 atividades, entre debates, oficinas, contações de histórias e encontros literários. Confira a programação e outras notícias do festival.

A Feira do Livro 2025 · 14 — 22 jun. Praça Charles Miller, Pacaembu

A Feira do Livro é uma realização do Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet – Incentivo a Projetos Culturais, Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos dedicada à difusão do livro e da leitura no Brasil, Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais, e em parceria com a Prefeitura de São Paulo.

Quem escreveu esse texto

Guilherme Magalhães

Jornalista e mestrando em literatura brasileira na USP.