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A cobertura especial d’A Feira do Livro, que acontece de 14 a 22 de junho, é apresentada pelo Ministério da Cultura e pela Petrobras

MINISTÉRIO DA CULTURA E PETROBRAS APRESENTAM

Hélio de Seixas Guimarães e Yasmin Santos n’A Feira do Livro (Flávio Florido)

A FEIRA DO LIVRO 2025,

Entender Machado num Rio luso-afro-brasileiro é desafio hoje, diz Hélio de Seixas Guimarães

Professor da USP vê lacuna na crítica que destrinchou referências estrangeiras do autor, mas não como sua obra ressoa o ambiente em que viveu

21jun2025

Nascido há exatamente 186 anos neste sábado (21), Machado de Assis foi objeto de estudos de muitas gerações de pesquisadores, entre eles grandes críticos literários como Antonio Candido e Roberto Schwarz. Ainda resta algo a ser explorado em sua obra?

Para Hélio de Seixas Guimarães, sim. O professor de literatura da Universidade de São Paulo (USP) e especialista no autor carioca afirmou na mesa de abertura do penúltimo dia d’A Feira do Livro, mediada pela jornalista e editora Yasmin Santos, que os estudos sobre Machado têm hoje o desafio de entender como ressoa na obra de Machado sua experiência de homem de ascendência africana e europeia que viveu no Rio de Janeiro luso-afro-brasileiro do século 19.

“A arqueologia que emerge no espaço urbano do Rio [em torno do Cais do Valongo e da região da Pequena África] tem a ver com o modo como Machado está sendo ressignificado neste momento”, afirmou Guimarães. 

O professor de literatura Hélio de Seixas Guimarães (Flávio Florido)

“Ao longo do século 20 a crítica se pôs a entender as relações dele com a literatura francesa, a inglesa, a alemã, a italiana. Mas muito pouco se investiu até hoje em como a experiência da escrita do Machado está marcada pelo ambiente em que ele viveu.”

O escritor, lembrou Guimarães, nasceu em uma cidade em que boa parte da população era ou africana ou portuguesa, sendo ele próprio descendente de africanos e europeus. Além disso, Machado casou-se com a portuguesa Carolina, conviveu com a família dela e em círculos de amizade formados por outros afrodescendentes e portugueses emigrados. 

“Esse circuito do Machado ainda conhecemos muito pouco, e isso tem a ver com uma postura cultural nossa de olhar as referências ditas prestigiosas, europeias. Isso foi muito bem destrinchado pela crítica. Mas essa outra questão [a da influência do meio social], que é óbvia, não. E isso certamente tem ressonância em sua obra”, afirmou.

Todo Machado

O professor da USP organizou a coleção Machado Fora da Caixa: Todos os Livros de Machado de Assis, lançada pela Todavia em março. Integram o projeto os 25 livros que o autor carioca publicou em vida, e um 26º, assinado por ele apenas com suas iniciais. Esse volume é um compilado de uma série de documentos referentes à Lei do Ventre Livre e à Lei de Terras de 1850, e mostra o lado funcionário público de Machado lidando com duas questões centrais para o Brasil até hoje: trabalho e terra.

A jornalista e editora Yasmin Santos (Flávio Florido)

Para Guimarães, uma das principais dificuldades do projeto foi prefaciar cada um dos livros. “Foi um desafio ficar de fato numa apresentação, dar algumas chaves possíveis de leitura para o texto, mas sem entrar numa interpretação, sem fechar o sentido. O prazer de ler é poder pensar, interpretar o texto do Machado, um dos fascínios é como o leitor vai se posicionar e o que ele vai ver naquele texto. Essa é a graça.”

O pesquisador contou que Machado de Assis o atraiu aos dez anos de idade, quando pegou da estante do pai um exemplar de Helena, que na época tinha virado novela na TV. Guimarães também lembrou como as interpretações da obra machadiana se transformaram ao longo dos anos. “O fascínio pelo Machado e a história das leituras feitas da obra dele mostram isso. Não é só uma questão individual. Coletivamente, as mudanças das leituras do Machado vão se transformando ao longo do tempo. Mudam tanto os sentidos da figura do autor Machado quanto da obra dele”, disse.

De alienado a maior crítico

Para seus contemporâneos, Machado foi um autor elegante, mas alienado. Na visão da época, ele não tratava das principais questões que preocupavam a sociedade brasileira no século 19. Essa visão foi se transformando ao longo do século 20, quando ele passa a ser entendido como um escritor profundamente crítico dessa sociedade, apontou Guimarães.

A própria visão racial sobre o autor variou no tempo: identificado na certidão de nascimento como afrodescendente, na de óbito ele vira branco, contou Guimarães. Isso refletiu na leitura de sua obra, disse. Após a morte de Machado, Joaquim Nabuco repreendeu um colega que escreveu um texto dizendo que o escritor carioca era mulato. O autor de O abolicionismo o chamou de “o gregro” — no sentido de escritor clássico, universal —, apagando as marcas étnico-raciais do autor e da sua obra.

Essa visão só foi superada de maneira marcante com a publicação, em 2007, de Machado de Assis afrodescendente (Malê), de Eduardo de Assis Duarte. Na obra, o pesquisador recupera uma série de textos machadianos em que a questão racial e a escravidão aparecem de forma explícita.

Mesa Feliz aniversário, Machado de Assis (Flávio Florido)

“Gosto de pensar que Machado estava muito fincado no seu tempo e em seu país. Não acredito muito nessa ideia de alguém que antecipa [o futuro]. Acho que ele viu muito a fundo a experiência humana, e a brasileira. Por isso ele tem ressonância até hoje. As questões das quais ele trata, tanto humanas quanto sociais, são muito substantivas e continuam fazendo sentido”, disse Guimarães.

A quarta edição d’A Feira do Livro 2025 acontece de 14 a 22 de junho, na praça Charles Miller, no Pacaembu. Realizado pela Associação Quatro Cinco Um, pela Maré Produções e pelo Ministério da Cultura, o festival literário paulistano, a céu aberto e gratuito, reúne mais de duzentos autores e autoras do Brasil e do exterior em uma programação com mais de 250 atividades, entre debates, oficinas, contações de histórias e encontros literários. Confira a programação e outras notícias do festival.

A Feira do Livro 2025 · 14 — 22 jun. Praça Charles Miller, Pacaembu

A Feira do Livro é uma realização do Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet – Incentivo a Projetos Culturais, Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos dedicada à difusão do livro e da leitura no Brasil, Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais, e em parceria com a Prefeitura de São Paulo.

Quem escreveu esse texto

Fernanda Perrin

É jornalista.