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A cobertura especial d’A Feira do Livro, que acontece de 14 a 22 de junho, é apresentada pelo Ministério da Cultura e pela Petrobras

MINISTÉRIO DA CULTURA E PETROBRAS APRESENTAM

Lina Meruane e Bianca Tavolari n’A Feira do Livro (Flávio Florido)

A FEIRA DO LIVRO 2025,

Projeto colonial sionista apagou não só palavras, mas a história palestina, diz Lina Meruane

Chilena autora do célebre ensaio Tornar-se Palestina falou sobre o genocídio em Gaza e como foi crescer sob a ditadura de Pinochet

21jun2025

Com o estilo afiado que marca seus livros, a escritora chilena Lina Meruane teceu reflexões incisivas sobre o genocídio perpetrado por Israel na Faixa de Gaza nesta sexta (20), n’A Feira do Livro. Na conversa com a colunista da Quatro Cinco Um Bianca Tavolari, a autora do célebre ensaio Tornar-se Palestina (Relicário) falou sobre uma de suas preocupações: como ditaduras operam para apagar palavras.

“Todo o projeto colonial sionista consistiu em apagar não apenas palavras, mas palavras importantes como ‘Palestina’ e ‘palestinos’. Fez desaparecer as cidades palestinas, as casas palestinas, a história palestina, os símbolos palestinos, a bandeira palestina e os palestinos, ontem e, sobretudo, hoje.” Para ela, “há uma conexão muito clara que é como opera o autoritarismo e o que faz com que a linguagem seja tão importante para ditaduras e governos coloniais e genocidas”.

Lançado originalmente em 2019 no Brasil, o livro acaba de ganhar uma edição ampliada, com prefácio do escritor Milton Hatoum e um terceiro ensaio. “Para mim, esse livro não é só um livro, é um projeto de escrita muito afetivo”, conta Meruane, que resgata na obra a história dos seus avós na Cisjordânia e o processo de imigração da família para o Chile. Ela agradeceu a calorosa acolhida dos leitores brasileiros, que fizeram do livro um sucesso de público.

A escritora chilena Lina Meruane (Flávio Florido)

“Fala-se muito do 7 de outubro [de 2023], mas essa é uma data muito conveniente de se partir. Na realidade são quase oitenta anos de ocupação. A conversão de Gaza em uma prisão a céu aberto ocorre em 2006. Daí em diante houve muitos bombardeios de Israel, o controle de alimentação, uma opressão cada vez mais poderosa. Essa configuração é muito antiga. Em cada um desses ataques, cada vez que a violência chegava à imprensa, o livro vendia de novo.”

Ao comentar a eclosão de um novo conflito no Oriente Médio, agora entre Israel e Irã, Meruane afirmou ser inaceitável a ideia de “começar uma guerra só por precaução caso o vizinho me ataque”. 

“Diz-se muito que Israel tinha que atacar o Irã agora porque o regime iraniano está debilitado e é um governo autoritário. Isso é verdade, mas o que não se diz é que, neste momento, esse ataque é muito conveniente porque joga uma cortina de fumaça sobre o que está acontecendo na Palestina. Não está se falando de que faz trinta dias que não entra alimento em Gaza. Isso é um genocídio planejado. Me alegro que o livro circule, por isso estou aqui, me parece que é a única coisa que eu, pessoalmente, posso fazer para que não se silencie essa realidade”, afirmou a escritora, seguida de muitos aplausos.

Golpe no Chile

Na mesa, que contou com tradução simultânea de Lucien Beraha e Ramon de Barros, Meruane também abordou a memória da ditadura chilena, tema de seu mais recente livro, Sinais de nós (Relicário, 2025). Nesse breve relato, a autora narra memórias de infância de uma menina que estuda em um colégio de classe alta em Santiago nos anos seguintes ao golpe militar que derrubou o presidente Salvador Allende, em 1973.

“Sinto que toda a minha busca foi menos nostálgica ou sentimental e muito mais política, mas também é verdade que o pessoal é político”, explicou Meruane.

“Os sinais que eu recebi são num contexto de uma família que tinha medo do socialismo e tinha apoiado o golpe. Num colégio onde não se falava de política, com cinco anos, era muito difícil entender o que se passava no país, quem era esse senhor [Pinochet] que estava em fotos, na Assembleia, a quem cantávamos o hino nacional e o hino das Forças Armadas”, recordou a chilena.

A colunista da Quatro Cinco Um Bianca Tavolari (Flávio Florido)

Ela citou o episódio em que a mãe de um colega, que vivia no Canadá, disse que no Chile pessoas eram torturadas e assassinadas. “Nesse momento entendo que algo realmente estranho e violento está acontecendo, e é um momento de entrada não apenas na adolescência, mas na minha vida política, no sentido de me politizar. Porque o silêncio, o ocultamento e a negação também são formas de política, que negam atrocidades que ocorrem em um lugar.”

A quarta edição d’A Feira do Livro 2025 acontece de 14 a 22 de junho, na praça Charles Miller, no Pacaembu. Realizado pela Associação Quatro Cinco Um, pela Maré Produções e pelo Ministério da Cultura, o festival literário paulistano, a céu aberto e gratuito, reúne mais de duzentos autores e autoras do Brasil e do exterior em uma programação com mais de 250 atividades, entre debates, oficinas, contações de histórias e encontros literários. Confira a programação e outras notícias do festival.

A Feira do Livro 2025 · 14 — 22 jun. Praça Charles Miller, Pacaembu

A Feira do Livro é uma realização do Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet – Incentivo a Projetos Culturais, Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos dedicada à difusão do livro e da leitura no Brasil, Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais, e em parceria com a Prefeitura de São Paulo.

Quem escreveu esse texto

Guilherme Magalhães

Jornalista e mestrando em literatura brasileira na USP.