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A cobertura especial d’A Feira do Livro, que acontece de 14 a 22 de junho, é apresentada pelo Ministério da Cultura e pela Petrobras

MINISTÉRIO DA CULTURA E PETROBRAS APRESENTAM

Os cronistas Luís Henrique Pellanda e Humberto Werneck (Flavio Florido)

A FEIRA DO LIVRO 2025,

O cronista precisa olhar para fora, afirmam Humberto Werneck e Luís Henrique Pellanda

Os escritores contaram histórias saborosas do gênero e reafirmaram o caráter informal e brasileiro da crônica no sétimo dia d’A Feira do Livro

20jun2025

Quem assistiu à mesa Viagem no país da crônica, realizada no Palco Petrobras no início da tarde desta sexta (20), ouviu dos cronistas Humberto Werneck e Luís Henrique Pellanda histórias saborosas sobre o gênero. Na conversa espirituosa, que teve mediação do jornalista Ruan de Sousa Gabriel, os autores desfilaram causos sobre medalhões como Rubem Braga, Fernando Sabino e Carlos Drummond de Andrade.

“Muita gente diz que a crônica é um gênero tipicamente brasileiro, eu mesmo incorri nesse erro ao dar o título para uma antologia que fiz. Ela veio da França, trazida em meados do século 19, mas se adaptou muito bem ao Brasil. A comparação que eu faço é com o futebol, que chegou com o Charles Miller. A crônica se deu muito bem com uma certa informalidade do brasileiro, que é, por vezes, abusiva”, disse Werneck, que acaba de lançar Viagem no país da crônica pela Tinta-da-China Brasil, selo editorial da Associação Quatro Cinco Um.

Humberto Werneck (Flavio Florido)

Pellanda lembrou uma definição de Machado de Assis, de que a crônica “se assemelhava à conversa de duas vizinhas que fofocavam sobre o tempo, sobre a vida do morador da casa em frente. Tinha essa associação com a fofoca, a conversa que se metia na vida pública e alheia”.

No mesmo espírito da mesa, Werneck costura no livro anedotas sobre a chamada era de ouro da crônica, que floresceu nos anos 50, e faz uma ponte com a geração contemporânea. “A crônica nasceu literalmente por baixo. Na imprensa francesa ela ocupava o baixo da página, aquilo que se chama ‘ao rés do chão’. Em um jornal ou revista uma coisa importante vai para o alto da página e a crônica de certa forma carrega esse estigma de malnascida”, afirmou o belo-horizontino, que hoje se diz “mineiro não praticante” e se formou como leitor justamente nesses anos dourados do gênero.

“Sou beneficiário da tal era de ouro da crônica, quando você abria qualquer jornal ou revista e você tinha uma fartura. Mas eu não pensava em ser cronista, queria ser ficcionista”, lembra Werneck. “Tinha a Rachel de Queiroz, o Gilberto Freyre perpetrava algumas coisas também, cada jornal tinha o seu cronista. No colégio, as antologias de literatura brasileira nos eram servidas e não tinha nenhuma mulher. Na minha meninice achava que o cara, para ser escritor reconhecido, tinha de morrer. Um dia vi andando na praça da Liberdade, em Belo Horizonte, o Fernando Sabino, e descobri que o cara poderia ser um bom escritor, estar vivo e ainda morar no Rio de Janeiro, sonho das gerações mineiras até então.”

Luís Henrique Pellanda (Flavio Florido)

Pellanda recordou o papel que o próprio Werneck teve na sua carreira de cronista, quando o mineiro convidou o curitibano a integrar a coleção A Arte da Crônica, que começava a organizar para a editora Arquipélago.

“Ele me convidou e pensei ‘não é possível’. Eu disse não, envergonhadíssimo, e lembro que quando cheguei em casa a primeira coisa que fiz foi abrir o computador e selecionar as crônicas. ‘Não posso deixar isso passar.’ Lancei esse livro, Nós passaremos em branco, e ele foi indicado ao Jabuti de conto e crônica”, contou.

Na rua

O período de quarentena durante a pandemia de covid-19 foi o insumo para o novo livro de Pellanda, A crônica não mata: notas do isolamento (Arquipélago). Ele comentou o desafio de se afastar do narrador construído em seus livros anteriores — o flâneur que faz observações ao caminhar pelo centro de Curitiba — quando precisou ficar trancado em casa. “É difícil convencer o leitor falando de você mesmo, suas leituras, as memórias da sua janela.”

Ambos ressaltaram a importância de o cronista buscar seu tema olhando para fora. “O assunto está sempre fora, tenho certo horror dessa literatura meio egoica, a pessoa olhando para si mesmo. Tem que sair à rua. Não é que você sai por aí xeretando a vida dos outros — eventualmente, sim —, mas tem que sair em todos os sentidos”, defendeu Werneck.

Para o mineiro, “não existe nenhum assunto que não possa render uma crônica”. Ele lembrou de Roberto Marinho de Azevedo, cronista do universo da gastronomia que publicava no Jornal do Brasil. Ele certa vez precisou ser internado e acabou escrevendo sobre a canja do hospital. “Você lê essa crônica e tem um sabor que poucas canjas têm. Acho que, em tese, sempre aparecerá um cara que vai pegar o tema mais horroroso e transformar aquilo em uma coisa gostosa de ler. Embora escrita ali pela circunstância, atravessa o tempo.”

Luís Henrique Pellanda e Humberto Werneck, mediação do jornalista Ruan de Sousa Gabriel (Flavio Florido)

Pellanda recordou como o clima político de Curitiba afetou sua produção literária durante o auge da Operação Lava Jato e quando o então ex-presidente Lula esteve preso na cidade, entre 2018 e 2019. Para ele, foi uma ebulição política que atrapalhou tudo, não só do seu lado cronista.

“Curitiba é uma cidade que durante esse período se transformou de maneira absurdamente negativa num dos centros do debate político brasileiro. Quem não estava lá não é capaz de imaginar a toxicidade do ambiente”, contou o autor, que relatou ter sido vítima de episódios de hostilidade pelo que escrevia. “Mesmo sem falar no infeliz nome do Sergio Moro, do Deltan Dallagnol, do Bolsonaro, mesmo sem falar nada disso, percebi que, livro após livro, consegui mostrar como a vida na rua piorou. Havia um ruído de ódio nas coisas. Antes havia angústia, miséria, desespero, mas não ódio.”

A quarta edição d’A Feira do Livro 2025 acontece de 14 a 22 de junho, na praça Charles Miller, no Pacaembu. Realizado pela Associação Quatro Cinco Um, pela Maré Produções e pelo Ministério da Cultura, o festival literário paulistano, a céu aberto e gratuito, reúne mais de duzentos autores e autoras do Brasil e do exterior em uma programação com mais de 250 atividades, entre debates, oficinas, contações de histórias e encontros literários. Confira a programação e outras notícias do festival.

A Feira do Livro 2025 · 14 — 22 jun. Praça Charles Miller, Pacaembu

A Feira do Livro é uma realização do Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet – Incentivo a Projetos Culturais, Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos dedicada à difusão do livro e da leitura no Brasil, Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais, e em parceria com a Prefeitura de São Paulo.

Quem escreveu esse texto

Guilherme Magalhães

Jornalista e mestrando em literatura brasileira na USP.