A cobertura especial d’A Feira do Livro, que acontece de 14 a 22 de junho, é apresentada pelo Ministério da Cultura e pela Petrobras
MINISTÉRIO DA CULTURA E PETROBRAS APRESENTAM


A FEIRA DO LIVRO 2025, Editora 451,
Rima do soneto foi fundamental depois da cegueira, diz Glauco Mattoso
O escritor paulistano e o poeta e tradutor carioca Paulo Henriques Britto discutiram como subvertem formas clássicas da poesia com humor e obscenidade
19jun2025Para Glauco Mattoso e Paulo Henriques Britto, o soneto chegou pelas beiradas. Na mesa Alexandrinos heroicos, mediada por Fernando Luna, Mattoso explicou que métrica e rima foram fundamentais para seu trabalho depois de perder a visão, em 1995, enquanto, para Britto, o interesse veio da percepção de que, para fazer o verso livre, antes teria que dominar a forma clássica.
Fórmula clássica de Petrarca estruturada em dois quartetos e dois tercetos, totalizando catorze versos, o soneto é associado, grosso modo, a temas elevados — o amor, a nação. Mas, nas mãos dos poetas, é subvertido para um tom bem-humorado, e até obsceno ou escatológico. Já o alexandrino heroico se refere a um tipo específico de verso na poesia, composto por doze sílabas métricas, das quais as sílabas tônicas ficam na sexta e décima segunda posições.

Para Britto, o interesse pelo formato veio de uma percepção, desde jovem, de que para dominar o verso livre, era antes necessário dominar as formas clássicas.”Os grandes artistas que eu admirava tinham começado aprendendo o bê-a-bá e, depois, começaram a fazer coisas novas”, afirmou.
Conhecido também por ter traduzido grandes autores, como George Orwell e James Baldwin, Britto disse que sua paixão, na verdade, sempre foi a música — para a qual, na sua visão, não tem o menor talento. “Então canalizei tudo para a escrita. Queria escrever prosa. Consegui escrever contos. A poesia eu fui desenvolvendo aos poucos, com certa facilidade. Mas na verdade ela é meu terceiro amor.”
Já Mattoso é um orgulhoso portador da alcunha de “maldito”. Tornou-se conhecido inicialmente pelos seus trabalhos, nos anos 70, ligados à poesia marginal e ao Jornal Dobradil, um poezine que parodiava o Jornal do Brasil e era enviado, segundo ele, para um mailing “VIP”, que incluía destinatários como Caetano Veloso e Tom Jobim.
“O Jornal Dobradil misturava poesia concreta com tudo. Na época em que eu enxergava, trabalhava muito com poesia visual”, contou. Depois de perder totalmente a visão, em 1995, Mattoso ficou desorientado. “Inclusive planejava suicídio. Até tenho inveja do Antonio Cicero”, disse, meio rindo, meio sério, em referência ao autor que escolheu a morte assistida no ano passado.

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Foi por meio do auxílio da tecnologia — um computador na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) — e de uma tradução do argentino Jorge Luis Borges que ele retomou a literatura. “Foi um cego convidando o outro.”
Sem a visão, o fator mnemônico ganhou ainda mais centralidade em sua poesia. “No meu caso, o poema é escrito, mas para que eu pudesse memorizar depois da cegueira, a métrica e a rima foram fundamentais”, completou o autor, cujo nome é Pedro José Ferreira da Silva, que adotou o pseudônimo “Glauco Mattoso” (“glaucomatoso” é o termo médico que designa a pessoa afligida pelo glaucoma) em referência à doença que o deixou cego.
Autorreflexão
Os dois contam que não eram do tipo que jogava bola e brincava na rua — menos por uma escolha do que pela asma, no caso de Britto, e pela dificuldade de enxergar, no de Mattoso. Fechados em casa, o primeiro aprendeu a ler assistindo televisão, e o segundo, devorando gibis.
“Eu comecei a escrever com seis anos de idade”, diz Britto, eleito no mês passado para a Academia Brasileira de Letras (ABL). Na opinião dele, a poesia é “a palavra se exibindo”. “Talvez seja a mais autorreflexiva das artes. Acho que isso é algo que faz parte da própria textura da poesia”, afirmou.
Para Mattoso, esse caráter tem a ver com a angústia do poeta para conseguir expressar o que sente. “O eu lírico é sempre incapaz perante o próprio poeta. Essa insegurança faz com que o poeta fique tentando demonstrar que a palavra é suficiente para ele se expressar. Nunca é”, disse.
Conhecido também por sua atuação junto à militância LGBTQIA+ e ao movimento punk, aos 73 anos Mattoso diz que hoje se vê como um “pós-maldito”. “Agora é tudo pós: pós-verdade, pós-moderno”, brincou.

Em comparação a Mattoso, a política tem menos espaço na obra de Britto. O tema começou a aparecer de forma mais explícita recentemente, com textos inspirados, de certa forma, pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. “Tem um poema sobre bolsonarismo no meu último livro. Por algum motivo ele saiu em inglês”, disse, rindo. “Talvez o Eduardo Bolsonaro possa traduzir”, brincou Luna, em referência às habilidades na língua estrangeira do deputado, que é filho do ex-presidente.
A quarta edição d’A Feira do Livro 2025 acontece de 14 a 22 de junho, na praça Charles Miller, no Pacaembu. Realizado pela Associação Quatro Cinco Um, pela Maré Produções e pelo Ministério da Cultura, o festival literário paulistano, a céu aberto e gratuito, reúne mais de duzentos autores e autoras do Brasil e do exterior em uma programação com mais de 250 atividades, entre debates, oficinas, contações de histórias e encontros literários. Confira a programação e outras notícias do festival.
A Feira do Livro 2025 · 14 — 22 jun. Praça Charles Miller, Pacaembu
A Feira do Livro é uma realização do Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet – Incentivo a Projetos Culturais, Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos dedicada à difusão do livro e da leitura no Brasil, Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais, e em parceria com a Prefeitura de São Paulo.
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JUNHO, 2025