A cobertura especial d’A Feira do Livro, que acontece de 14 a 22 de junho, é apresentada pelo Ministério da Cultura e pela Petrobras
MINISTÉRIO DA CULTURA E PETROBRAS APRESENTAM

A FEIRA DO LIVRO 2025,
Lídia Jorge emociona ao narrar como sua literatura triunfou sobre a morte
Em mesa comovente n’A Feira do Livro, escritora portuguesa lembrou a perda da mãe, ponto de partida do seu romance Misericórdia
15jun2025A mesa Diante da lembrança colocou o público frente a frente com uma das maiores escritoras portuguesas da atualidade no Palco Petrobras d’A Feira do Livro neste domingo (15). Lídia Jorge, que no dia anterior participou de um debate sobre a emergência da extrema direita e o passado colonial de Portugal, reencontrou o público para uma conversa sobre sua ficção.
O processo de luto pela perda de sua mãe desembocou em seu romance Misericórdia (Autêntica Contemporânea), que ela definiu como “uma espécie de triunfo sobre a morte”, em outras palavras, “a ideia de que haja o que houver além de nós, enquanto alguém falar por nós, nós existimos.”
“Isso foi alguma coisa que me deu força para escrever em muito pouco tempo este livro, era como se ela ainda não tivesse desaparecido”, disse a autora portuguesa sobre a mãe, que morreu em 2020 em decorrência da covid-19. “[Foi] como se eu chamasse a sua memória para em conjunto escrever um hino à vida e não um lamento diante da vida curta”, afirmou Lídia Jorge na conversa mediada pela escritora e professora Luana Chnaiderman de Almeida. “É por isso que este livro tem este tom, que não é melancólico, é um tom de combate,” completou.
Pedido de mãe
No romance, uma filha transcreve o diário da mãe, residente de um lar para idosos que registrou em um pequeno gravador de voz os dias de seu último ano de vida. Lídia Jorge se emocionou ao recordar que, em 8 de março de 2020, sua mãe, que estava em “um lar para gente melhor, como dizem os espanhóis” lhe pediu insistentemente que escrevesse um livro com o título “Misericórdia”.
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“Ela disse: ‘Escreve para que as pessoas tenham compaixão daqueles que à certa altura perdem a autonomia’. Ainda assim, isto era uma coisa que não me faria escrever um livro. Só que foi a última vez que falei com minha mãe. No dia seguinte, o lar fechou. Eu nunca mais a vi e ela faleceu passados quarenta dias. Quando ela faleceu, eu tinha esse pedido nas minhas mãos”, contou a escritora.

Ao receber objetos da mãe, encontrou neles um saquinho que ela usava pendurado no pescoço, com pequenos papéis nos quais ia anotando o que lhe acontecia. Estava aí o ponto de partida para o romance.
Se este parece o território explorado pela autoficção dos dias de hoje, Lídia Jorge deixou claro onde se posiciona: “Este livro eu não escrevi como autoficção. Hoje em dia, quando a gente fala da autoficção, é um termo que vai desde uma espessura apertada até a mais alta. Se o escritor está dentro do livro, então eu diria que Dante, ao escrever A Divina Comédia, está lá. É autoficção? Não, é ficção.”
“Outro ponto é Annie Ernaux. Ela faz autoficção porque conta diretamente sem transpor o plano da transfiguração. Faz muitíssimo bem, ganhou até um Nobel. Eu me coloco num plano bastante intermédio. Com a devida vênia, naquele plano com o Milan Kundera. Ele diz que a vida dele só serve como os tijolos para construir a obra ficcional e que não precisa estar a escrever um ‘eu’ para escrever um livro. É um pouco também o que faz o Ignácio de Loyola Brandão”, comparou a autora portuguesa, apontando para o escritor brasileiro, que a assistia da primeira fileira.
Carteira roubada
A propósito do autor de Não verás país nenhum (Global), Lídia Jorge narrou no início da mesa um episódio ocorrido na década de 80, quando ela e Loyola Brandão se encontravam em Hamburgo, na Alemanha, e o brasileiro a ajudou por saber falar alemão. Na ocasião, a escritora teve a carteira roubada e procurou a polícia, mas depois de o objeto reaparecer no hotel, passou a ser alvo de descrença das autoridades alemãs.
“Fiquei numa manhã completamente isolada e o único colega que sabia alemão deixou-me sozinha. Quem me socorreu foi o Ignácio, que fez uma espécie de livro pequeno com desenhos com toda a história do que aconteceu. Guardo até hoje.”
Lembrando da crescente xenofobia contra brasileiros em Portugal atualmente, Lídia Jorge ressaltou o significado do gesto de quatro décadas atrás: “Os alemães diziam ‘mas ela é portuguesa’, o estigma do estrangeiro nos anos 80… Isso é muito importante em Portugal nos dias que correm, o Ignácio brasileiro me socorreu e ficamos amigos para sempre”.
Novo romance
A escritora também falou de seu romance Diante da manta do soldado, recém-lançado pela Autêntica Contemporânea. Publicado em Portugal em 1998 como O vale da paixão, o livro que agora chega ao Brasil com o título originalmente pretendido por Lídia Jorge narra a decadência de uma família portuguesa ao longo do século 20, com ecos da guerra colonial na África.
A conversa ainda rendeu conselhos para quem busca se aventurar na escrita. “Para quem quer escrever, procure o triunfo que tem a dar sobre o mundo”, declarou Lídia. “Será que estão de acordo comigo?”, perguntou a portuguesa em meio às palmas efusivas do público.
A quarta edição d’A Feira do Livro 2025 acontece de 14 a 22 de junho, na praça Charles Miller, no Pacaembu. Realizado pela Associação Quatro Cinco Um, pela Maré Produções e pelo Ministério da Cultura, o festival literário paulistano, a céu aberto e gratuito, reúne mais de duzentos autores e autoras do Brasil e do exterior em uma programação com mais de 250 atividades, entre debates, oficinas, contações de histórias e encontros literários. Confira a programação e outras notícias do festival.
A Feira do Livro 2025 · 14 — 22 jun. Praça Charles Miller, Pacaembu
A Feira do Livro é uma realização do Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet – Incentivo a Projetos Culturais, Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos dedicada à difusão do livro e da leitura no Brasil, Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais, e em parceria com a Prefeitura de São Paulo.
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