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A cobertura especial d’A Feira do Livro, que acontece de 14 a 22 de junho, é apresentada pelo Ministério da Cultura e pela Petrobras

MINISTÉRIO DA CULTURA E PETROBRAS APRESENTAM

Mariana Almeida, Pedro Fernando Nery e Rafael Cariello (Matias Maxx)

A FEIRA DO LIVRO 2025,

Ricos e classe média recebem benefícios maiores que o Bolsa Família, apontam economistas

Mariana Almeida e Pedro Fernando Nery indicam privilégios e dificuldade de comunicação como obstáculos para o combate a desigualdades

15jun2025

Na abertura da programação do Auditório Armando Nogueira neste domingo (15), n’A Feira do Livro, os economistas Mariana Almeida e Pedro Fernando Nery tiveram a tarefa de falar sobre um dos problemas mais persistentes — e complexos — do Brasil: a desigualdade. Na mesa 40 anos de democracia: desigualdades, com mediação do jornalista Rafael Cariello, eles discutiram avanços dos últimos anos, dificuldades para implantar e comunicar políticas públicas e distorções quase invisíveis que acabam direcionando maiores benefícios para os mais ricos e a classe média.

“Para o país em que a gente vive, podemos ver o copo meio cheio ou meio vazio”, disse Nery, professor da Universidade de Brasília (UnB) e autor de Extremos: um mapa para entender as desigualdades no Brasil (Zahar, 2024). “O livro é um pouco o copo vazio, todos os abismos que ainda permanecem. Mas se a gente olhar para os últimos quarenta anos, dá para ver muita coisa que melhorou”, declarou. “Existe uma visão de que a democracia trouxe certa estagnação econômica. Embora isso seja verdade para métricas como o PIB [Produto Interno Bruto], há muitos indicadores que não aparecem no PIB e que mostram uma melhora grande, e não só desde a redemocratização, mas nos últimos quatro ou cinco anos também.”

O economista citou como exemplos dados sobre a redução do analfabetismo e acesso a saúde, mas fez a ressalva de que a concentração de renda nas elites não melhorou. “Não por acaso, é uma pauta muito prioritária para o atual governo, de um modo que não acontecia antes, principalmente na figura do ministro Fernando Haddad. Por isso tem essas iniciativas de taxar renda, taxar aplicações financeiras.”

Mariana Almeida (Matias Maxx)

Mariana Almeida, que é diretora-executiva da Fundação Tide Setubal e professora do Centro de Gestão e Políticas Públicas do Insper, refletiu sobre por que essas medidas e melhorias não têm refletido em aprovação para o atual governo. “São melhorias muito marginais ainda. Continuam os dois mundos, o de quem está no imposto de renda e o de quem está no CadÚnico [Cadastro Único para Programas Sociais, do governo federal]. Existe uma dificuldade de construir um espaço comum de cidadania.”

A economista citou a cultura dos privilégios como uma das dificuldades para essa construção, incluindo benefícios que a população mais rica e de classe média recebe, e que são maiores que programas sociais. Ela exemplificou com um caso pessoal: “Tenho dois filhos e fui fazer as contas dos descontos no imposto de renda que eu recebo por conta de gastos com saúde e educação. É um valor maior do que o Bolsa Família. Eu recebo mais em benefícios do que uma família que recebe Bolsa Família. Não tem como fechar a conta, se alguns não abrirem mão dos privilégios”.

Comunicação e TikTok 

Nery enxerga nessa questão um problema de comunicação. “O que acho o tema mais intrigante é pensar como a gente vende isso. A Mariana falou do caso dela com o imposto de renda. Lá em casa a gente também tem isso, e, como servidores federais, tem também o auxílio-creche. Então, são dois Bolsa Família, mas a gente não dá esse nome. E se mudasse o nome para Bolsa Família Primeira Infância, que é o nome do programa para os mais pobres?”, pondera.

Para o professor da UnB, que citou também isenções fiscais recebidas por empresas como iFood e influenciadores como Virginia Fonseca e Felipe Neto, seria preciso “quase uma nova área do conhecimento que casasse comunicação com políticas públicas”. “A gente precisa repensar a forma como trazemos essa informação. O pessoal da comunicação não consegue ajudar muito, porque precisa entender um pouco da linguagem da área. Como a gente transforma informações sobre políticas públicas em algo que seja fácil de comunicar nessa era de TikTok?”.

Copo meio cheio

Na perspectiva do copo meio cheio, Nery apontou que houve uma apropriação rápida por parte do governo de descobertas acadêmicas recentes sobre desigualdade. Ele acredita que o processo democrático leva aqueles que são contrários à redistribuição de renda a adotarem medidas nesse sentido.

“Houve uma expansão muito vigorosa do Bolsa Família, que aconteceu em grande parte no governo de Jair Bolsonaro, que sempre foi contra o programa e tinha falas xenófobas sobre os beneficiários. Então, a democracia forçou essa expansão. Ele tinha na cabeça que, para ganhar as eleições de 2022, tinha que ganhar esse pessoal”, explicou o economista.

Já no lado do copo meio vazio, Mariana Almeida identificou, na forma como os governos se estruturam, um obstáculo para transformar condições de vida em territórios específicos. “O governo trabalha de forma muito setorial. Você coloca uma escola-modelo e espera que funcione com o tempo, mas não funciona, porque as crianças morrem de diarreia, não têm onde estudar em casa. As próprias secretarias [municipais] muitas vezes não conversam. Você não tem agentes governamentais que conseguem trabalhar de forma multidimensional.”A quarta edição d’A Feira do Livro 2025 acontece de 14 a 22 de junho, na praça Charles Miller, no Pacaembu. Realizado pela Associação Quatro Cinco Um, pela Maré Produções e pelo Ministério da Cultura, o festival literário paulistano, a céu aberto e gratuito, reúne mais de duzentos autores e autoras do Brasil e do exterior em uma programação com mais de 250 atividades, entre debates, oficinas, contações de histórias e encontros literários. Confira a programação e outras notícias do festival.

A Feira do Livro 2025 · 14 — 22 jun. Praça Charles Miller, Pacaembu

A Feira do Livro é uma realização do Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet – Incentivo a Projetos Culturais, Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos dedicada à difusão do livro e da leitura no Brasil, Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais, e em parceria com a Prefeitura de São Paulo.