Hiroko Oyamada (Reprodução)

Literatura japonesa, Trechos,

Por dentro da Fábrica

Romance de Hiroko Oyamada mescla sátira e surrealismo para revelar os detalhes dos interiores de um complexo fabril no Japão

09jan2025 • Atualizado em: 14jan2025

Um olhar sobre o trabalho na contemporaneidade por meio das histórias fictícias de três jovens. Assim é A Fábrica, de Hiroko Oyamada, lançado no Brasil pela Todavia com tradução de Jefferson José Teixeira. Ao se debruçar sobre o contexto fabril, a escritora desvenda um ambiente marcado por angústias e desilusões.

Além de descrever minuciosamente o complexo fabril retratado no romance, a vencedora dos prêmios Akutagawa e Shincho metaforiza a vida nesse ambiente representando figuras animalescas e criando uma atmosfera surrealista. 

Mesclando sátira, surrealismo e as vivências dos personagens, A Fábrica questiona por completo o ambiente, desde o que ele produz até o impacto na vida dos que trabalham no complexo.

Leia um trecho a seguir:

Trecho de ‘A Fábrica’

Ouvi dizer que na Fábrica há muitos animais nocivos como corvos e nútrias, mas não vejo tantos assim. Seja como for, eu me tranquilizei por ter ganhado uma estação de trabalho diário.

Mas essa sensação de alívio também é, afinal de contas, motivo de tristeza. Troquei de emprego e, antes mesmo de me acostumar com minha nova função, o fato de constatar que eu

não teria nenhuma preocupação em exercê-la e que tudo estava bem me mostrou que meu trabalho não é lá essas coisas. Quando percebi, o trabalho havia se tornado incerto. Sou um funcionário terceirizado. Até recentemente, muito recentemente mesmo, eu trabalhava como engenheiro de sistemas em uma pequena empresa, mas, quando menos esperava, aconteceu. “Quer dizer que estou sendo demitido?” “Exatamente. Sinto muito.” Se minha namorada não trabalhasse em uma agência de colocação de pessoal terceirizado, talvez agora eu estivesse desempregado. Sem emprego aos trinta anos. Embora seja triste me ver como um homem de trinta, indo para trinta e um este ano, tendo que trabalhar como terceirizado e com a sensação de que minha vida até agora foi totalmente inútil, é melhor isso do que estar desempregado. Com certeza. É duro ficar desempregado. Mas terceirizado? Graças à mediação da minha namorada, fui mandado para o Setor de Documentação da Fábrica e estou encarregado da revisão de textos usando uma caneta vermelha. Eu, que até então passava a maior parte dos meus dias na frente de um computador, agora não uso nenhum. 

“No momento já há um terceirizado executando processamento de dados para impressão no Setor de Documentação, mas eles precisam de mais um e quero apresentar você! Não é ótimo? Se eles quisessem uma recepcionista eu não teria como sugerir o seu nome. Então a oferta veio no momento certo”, minha namorada disse para mim, que estava com cara de moribundo, e balançou a cabeça para os lados com uma alegria excessiva. Pela primeira vez em vários anos ela tinha cortado o cabelo curto e parecia feliz ao senti-los roçando em sua nuca e em suas faces, por isso com frequência balançava a cabeça desse jeito. Isso a fazia parecer idiota. Porém essa namorada com ar de idiota era uma funcionária efetiva da agência de colocação e agora era minha derradeira tábua de salvação. “Está tudo bem! Que bom que posso fazer algo por você.” Pela manhã, em primeiro lugar eu tiro os papéis de dentro dos envelopes. Faço a revisão do texto, ou seja, procuro erros e os assinalo à caneta vermelha. Esse foi o trabalho que designaram para mim. “Por favor, revise pressupondo que basicamente haverá erros por toda parte. Mas, na realidade, não há tantos assim. Quando identificar um erro, trace uma linha na margem, com caneta vermelha, e deixe um comentário. Deste jeito. Para isso há símbolos de revisão. Dê uma olhada neste livro e, se encontrar símbolos apropriados, procure usá-los nos comentários. Porém, bem, esses símbolos foram criados por conveniência na época da fotocomposição, e como é óbvio que hoje em dia o processamento é feito por computadores, peço que pense na forma mais adequada de usá-los. Você tem ensino superior…hum… então, não deverá ter dificuldades com a língua pátria.” O responsável aqui é um homem de meia-idade, e no meu primeiro dia no emprego ele me levou até minha mesa, sobre a qual não havia nada, nem mesmo um computador, e entregou a mim, que estava decepcionado, um protetor de braço cinza, dicionários de japonês, de ideogramas e de inglês-japonês, além de um livro intitulado Manual do revisor, e após explicar por alto sobre o andar, disse: ‘Para mais detalhes, pergunte ao pessoal daqui”, partindo precipitadamente.

Editoria com apoio Japan House São Paulo

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