Divulgação Científica, Infantojuvenil,

Concerto em quatro cores

Livro sobre o mundo dos sons joga com texto e imagem para encantar e desafiar leitores de todas as idades

29out2018 | Edição #16 out.2018

“No começo, tudo era silêncio.” Assim tem início Alto, baixo, num sussurro, bem do começo e antes do verbo. Abaixo, na mesma página branca quase silenciosa, diz a voz que irá nos acompanhar até o fim, em letras verdes: “Mas depois tudo ficou barulhento. O Universo se encheu de sons”. 

Na imagem seguinte, sem palavras, círculos chapados (ou esferas, como os olhos tendem a ver) flutuam sobre um fundo prata (ou espaço sideral pulverizado de poeira cósmica), numa explosão de cores que poderia ser a fusão de duas estrelas ou o nascimento de um planeta.

Em poucos segundos e com apenas alguns movimentos, sem que ninguém tenha percebido, a imaginação dá partida e viramos a página. O preâmbulo conciso nas palavras nos envolve numa narrativa de textos e imagens que combina três níveis: informações, estímulos sensoriais e a jornada de alguns personagens. 

Ao navegar pelo livro, somos surpreendidos com formas, detalhes e fatos divertidos, que revelam facetas variadas de um mesmo tema. Do nascimento do universo à descoberta dos ruídos e melodias do corpo, passamos para os barulhos da casa, da cidade e da paisagem, e enveredamos para assuntos tão específicos quanto instigantes.

Encontramos ponderações filosóficas e refletimos sobre paradoxos a partir de dicotomias como música e ruído, natural e artificial, saudável e nocivo, e de ideias complementares, como ouvir e escutar, compreensão e solidão. Também têm lugar ali alguns conceitos básicos da física e um pouco de história natural e da cultura, do design e da tecnologia. Por que e como gravamos diferentes tipos de som? Quais as profissões ligadas aos sons? Quantas línguas existem? Podemos nos comunicar sem palavras?

Múltiplas linguagens

O jeito de contar, a criação de ritmo em uma narrativa visual solta que intercala momentos de agitação com quietude, a ocupação fluida dos espaços, as metáforas visuais, assim como os desenhos de formas abstratas para traduzir tipos de sons dão identidade ao livro. 

As páginas duplas oferecem múltiplas entradas na história e permitem leituras não lineares. Cada uma tem um começo-meio-fim parcial e as informações se complementam conforme o leitor avança. Essa maneira peculiar de comunicar, a linguagem visual complexa, repleta de brincadeiras — característica dos livros ilustrados contemporâneos, incluídos aí os informativos e de não ficção — oferecem desafios de leitura verbal e visual para os iniciantes, mas também para os mais experientes.

O título dá a dica: é como se estivéssemos entrando num experimento de modulação de ondas

Sem forçar, nem diminuir sua inteligência, as crianças podem dar novos passos na leitura de diferentes tipos de representação imagética, cada vez mais presentes no ambiente virtual e audiovisual em que estamos imersos. A obra traz ainda alguns esquemas clássicos de visualização da informação, o que torna a sua linguagem ainda mais sofisticada. 

Um desenho simplificado e lúdico do corpo humano mostra sons (pum, espirro, osso que estala e outros) e um gráfico de barras compara as quantidades de decibéis produzidas por fontes nada óbvias (neve caindo, bebê chorando, erupção vulcânica, queda de meteoro). E, nas páginas finais, os leitores curiosos são convidados a expandir a experiência e ouvir sons do mundo real, como os ruídos de um mercado público, as vozes da floresta, um disco de vinil ou até o som do Big Bang no site do físico norte-americano John Cramer.

Grande notável

O título dá a dica: é como se estivéssemos entrando num experimento de modulação de ondas. Alto, baixo, num sussurro foi realizado por dois criadores hábeis na costura de textos e imagens, impressos em quatro cores especiais e vibrantes, que combinadas dão origem a uma paleta cheia de nuances. 

O trabalho de Romana Romanyshyn e Andriy Lesiv na construção de narrativas tem sido reconhecido com prêmios internacionais importantes, como o da Feira do Livro Infantil de Bolonha, na Itália. A dupla recebeu menção especial em 2015 e neste ano prêmio máximo na categoria de não ficção com esta obra, publicada originalmente em conjunto com I see that, pela editora Old Lion Publishing House, que fica em Lviv, na Ucrânia. Um livro intenso na medida certa, para apreciar aos poucos, em várias leituras, e se envolver cada vez mais, como ao ouvir uma orquestra.  

Quem escreveu esse texto

Ana Paula Campos

Designer, é autora de Inventório, mestrado pela fau-uspsobre design e livros informativos para crianças.

Matéria publicada na edição impressa #16 out.2018 em outubro de 2018.