Arte, Infantojuvenil,

Como apresentar as obras de arte às crianças?

Autoras fornecem um amplo panorama dos artistas do Brasil, mas atividades propostas são redutoras

15nov2018 | Edição #8 dez.17-fev.18

Como aproximar a criança da experiência da arte e, mais especificamente, da arte brasileira contemporânea? Que forças são ativadas pela obra de arte e como apresentá-las para o público infantil? Foi apostando nas atividades lúdicas que as autoras Isabel Diegues, Márcia Fortes, Mini Kerti e Priscila Lopes conceberam o livro Arte brasileira para crianças: 100 artistas e atividades para você brincar, publicado pela Editora Cobogó, em 2016.

O conjunto dos cem artistas selecionados, apresentados em ordem alfabética, dá um panorama do vigor da arte brasileira do século 20, traduzindo a riqueza e a diversidade das linguagens, conceitos, técnicas e proposições. Ao final do livro, um cuidadoso glossário de termos e expressões artísticas auxilia o leitor na compreensão das técnicas e dos movimentos artísticos.

Entretanto, o livro não deixa claro para a criança que ela não está diante de uma obra de arte, mas de sua reprodução no papel, destituída de materialidade, técnica e história que lhe são características. Teria sido uma boa oportunidade de estimular a criança a visitar os museus e galerias para que ela apure, na expressão da escritora Tatiana Belinky, seus “olhos de ver”.

Cada um dos artistas é apresentado com um breve comentário sobre seu trabalho e uma obra criteriosamente selecionada. A página ao lado, ilustrada por Juliana Montenegro, traz sempre a indicação de uma atividade a ser realizada pela criança.

Atividades para as crianças

Ao longo do livro, as atividades propostas são dirigidas para diversas faixas etárias do público infantil, de quatro a onze anos, e, quase sempre, só podem ser realizadas pela criança, com a intermediação de um adulto, porque muitas requerem materiais difíceis, como “dois motores de relógios a pilha”, ou têm procedimentos que só o adulto é capaz de realizar, como fatiar uma esfera de isopor, ida ao ferro velho, costurar ou cozinhar ovos com o alerta “Precisa da autorização de um adulto”.

No entanto, salta aos olhos que, com raras exceções, as atividades se reduzem à imitação da obra ou de parte dela ou de um procedimento — o que não garante uma interação fecunda da criança com a obra de arte. Como consequência, as relações das obras de arte com as brincadeiras são sempre dirigidas.

Um bom exemplo dessa simplificação da obra e também do que significa a atividade lúdica está no conjunto de fotografias de Anna Maria Maiolino, [Entrevidas] Série Fotopoemação (1981), acompanhado da seguinte atividade: “Na arte, estamos quase sempre pisando em ovos. Então, vamos aproveitar essa atividade para fazer isso literalmente! Com a ajuda de um adulto pegue o maior número de ovos que puder e cozinhe em uma panela, espere que os ovos esfriem, não os descasque e os espalhe pelo chão da sua casa. Agora convide seus pais e amigos para uma caminhada cuidadosa…”.

Onde uma criança brinca há sempre um tesouro escondido. Cabe a quem trabalha com arte dar a liberdade para que ela o descubra

Não basta pedir para que a criança reproduza uma imagem ou um procedimento. Ao invés disso, o livro poderia convidar a criança para uma aventura de exploração da obra a partir dos valores e das linguagens que constituem a arte (linha, cor, plano, volume, ritmo etc.), engajada em seu próprio repertório simbólico.

Se “a arte é um exercício de liberdade e de ação”, como afirmam as autoras do livro, as atividades propostas correm o risco de dar pouca margem à liberdade. Lembrando a frase de Walter Benjamin, onde uma criança brinca, há sempre um tesouro escondido, cabe a quem trabalha com arte e educação dar a liberdade para que a criança descubra os seus próprios tesouros.

Quem escreveu esse texto

Glória Kok

Pesquisadora do MAE-USP, é coautora de Nos caminhos do barroco (Claro Enigma).

Matéria publicada na edição impressa #8 dez.17-fev.18 em junho de 2018.