Repertório 451 MHz,
Gaza no coração
Os escritores Benjamin Moser e Milton Hatoum comentam a resistência palestina e analisam o estado atual da guerra no Oriente Médio
04out2024O que podem os escritores diante da guerra? Neste 121º episódio do 451 MHz, Milton Hatoum e Benjamin Moser discutem o conflito no Oriente Médio, que completa um ano em 7 de outubro. Os dois são autores, respectivamente, de um conto e um ensaio que fazem parte da antologia Gaza no coração: história, resistência e solidariedade palestina, que acaba de ser lançada pela editora Elefante, em defesa do povo palestino. O episódio foi realizado com apoio da Lei de Incentivo à Cultura.
Benjamin Moser é escritor e historiador norte-americano. Ele é autor de Clarice, uma biografia (2017) e de Sontag, vida e obra (2019), ambos publicados pela Companhia das Letras em traduções de José Geraldo Couto.
Milton Hatoum é um dos principais nomes da ficção nacional, além de também tradutor e professor. Ele é autor de Relato de um certo Oriente (2008), Dois irmãos (2006), Pontos de fuga (2019), entre outros romances e coletâneas de contos. Seus livros são editados pela Companhia das Letras.
No recém-lançado Gaza no coração: história, resistência e solidariedade na Palestina, Moser escreveu o ensaio “Israel, sionismo, apartheid: o que você esperava?” enquanto Hatoum é autor do conto “O último abraço”. A antologia reúne 43 textos de 47 intelectuais, ativistas, educadores e figuras públicas.
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A conversa foi gravada no dia 20 de setembro, antes da operação terrestre de Israel no sul do Líbano, da série de ataques contra o Hezbollah dos últimos dias e dos mísseis lançados pelo Irã contra Israel.
Diante da guerra
“O que os escritores podem fazer diante da guerra?”, questiona Hatoum ao se referir ao texto escrito por Moser presente na antologia. “Pode parecer pouco, mas se a linguagem e a palavra não fossem importantes, Israel não estaria tão atento à mídia”, ele afirma, defendendo que escritores escrevam, falem e publiquem sobre o tema.
“É importante que a gente não fique desmotivado ou incapaz de reagir”, afirma Moser. “Pela palavra, temos acesso aos corações das pessoas.”
Os escritores mencionam o professor e crítico literário Edward W. Said, ativista histórico da causa palestina. É dele o artigo “Permissão para narrar”, recomendado por ambos. Seu livro mais conhecido é Orientalismo (Companhia das Letras, 2007, trad. Rosaura Eichenberg), no qual mostra que o conceito de “Oriente” é uma invenção política e cultural ocidental.
Além disso, Hatoum e Moser citaram intelectuais e escritores judeus que até hoje estão na defesa da causa palestina, como Norman Finkelstein e Noam Chomsky.
Notícias de Beirute
No começo do episódio, Hatoum menciona os recentes bombardeios de Israel no Líbano e expressa sua tristeza pela morte recente do escritor libanês Elias Khouri. Militante da causa Palestina, Khouri passou por diversos hospitais ao longo do último ano e morreu de uma doença prolongada.
O romance Meu nome é Adam, publicado pela Editora Tabla em 2022 (trad. Safa Jubran), foi resenhado por Hatoum na edição #64 da Revista Quatro Cinco Um. “Uma perda enorme para a literatura libanesa, de um escritor que frequentemente escreveu sobre a Palestina”, comenta.
Ataques de Israel
Descendente de libaneses, Hatoum compartilhou suas experiências no Líbano, relembrando o ataque violento que atingiu o subúrbio onde seus parentes moravam em 1982.
Em sua segunda passagem pelo país, o escritor recorda ter visitado vários dos campos de refugiados palestinos, especialmente Sabra e Chatila. “Fiquei emocionado ao ver na biblioteca de uma escola os livros de Jorge Amado em árabe”, lembra.
A justificativa de Israel para a invasão de 1982 era a eliminação da Organização da Libertação da Palestina (OLP). Os massacres nos campos de refugiados resultaram em um número estimado de até 3.500 mortos.
“Não são as ações de um país que busca a paz”, diz Moser ao citar os constantes ataques do Estado de Israel. “A propaganda sionista sempre quis apagar o nome da Palestina, os palestinos e a representação dos palestinos. Há uma tentativa de apagamento total da existência do povo palestino”, acrescenta Hatoum.
Vozes pela libertação
Na defesa de um Estado laico e verdadeiramente multiétnico, Moser afirma que Israel “é um país e uma sociedade que perderam seus alicerces morais a tal ponto que massacram crianças, bombardeiam hospitais e retiram pessoas vivas de prédios”.
Para entender a escalada de violência recente, Milton Hatoum recomenda dois livros do historiador israelense Ilan Pappé: A limpeza étnica da Palestina (Sundermann, 2024, trad. Luiz Gustavo Soares) e Dez mitos sobre Israel (Editora Tabla, 2022, trad. Bruno Cobalchini Mattos).
“O sionismo tentou sequestrar a narrativa para um projeto supremacista e colonial, e é isso que os judeus que ainda não perceberam precisam entender. É um projeto que não tem nada a ver com a religião judaica”, afirma.
Moser ressalta que o projeto sionista “sempre foi propositalmente antijudaico” e o define como “um sequestro da religião”. O historiador, no entanto, acredita numa mudança de consciência de uma nova geração de jovens judeus: “Apesar do desespero geral que estamos sentindo, sinto que está renascendo um judaísmo livre do sionismo”.
“Não é algo recente, não se resume ao dia 7 de outubro; são décadas e décadas de opressão, destruição e massacres”, afirma Hatoum, que recomenda ainda o romance Diário da tristeza comum, do poeta palestino Mahmud Darwich, publicado pela Editora Tabla em 2024 em tradução de Safa Jubran. “Se formos desistir porque achamos que vamos perder, desistimos de ser humanos”, complementa Moser.
Mais na Quatro Cinco Um
No ano passado, o 451 MHz contou com a participação de uma convidada mais do que especial: Clarice Lispector. O áudio foi restaurado e disponibilizado pela revista The New Yorker com participação de Moser, biógrafo da escritora. Colaborador da revista dos livros, ele escreveu para a edição #72 sobre o áudio de Lispector.
Também não é a primeira vez que Hatoum participa do podcast. No ano passado, o escritor foi entrevistado para o episódio de número 100, que tratou sobre sua vida e obra.
Em 2022, Hatoum resenhou Meu nome é Adam, do libanês Elias Khouri, com tradução de Safa Jubran e publicado pela Editora Tabla. Já em 2019, a crítica literária Rita Palmeira escreveu sobre o romance do escritor manauara Pontos de fuga (Companhia das Letras, 2019) para a Quatro Cinco Um.
O melhor da literatura LGBTQIA+
O episódio traz uma sugestão do poeta e pesquisador de cinema queer Renato Trevizano dos Santos, autor de Mágicas dores mínimas, publicado pela Editora Urutau em 2022. Ele indica o romance Nossa Senhora das Flores, do francês Jean Genet, traduzido por Newton Goldman e publicado em 1983 pela Nova Fronteira.
“A narrativa se situa na primeira metade do século 20 na França. A gente acompanha os encontros e desencontros da Divina, que se prostitui e acaba envolvida em alguns crimes. Paralelamente, a narrativa segue outras personagens marginais e criminosas como a que dá nome ao livro, a Nossa Senhora das Flores, que é um jovem assassino. Além dele, tem o próprio narrador que se encontra no cárcere, o que ecoa a biografia do próprio autor”, conta Trevizano. “Jean Genet se empenha em elevar o que há de mais baixo em um gesto político que tanto erotiza o sagrado quanto sacraliza a experiência erótica, evidenciando o que é o próprio erotismo: uma experiência de limite e borramento de fronteiras.”
Confira a lista completa de indicações do podcast 451 MHz no bloco O Melhor da Literatura LGBTQIA+.
CRÉDITOS
O 451 MHz é uma produção da Associação Quatro Cinco Um.
Apresentação: Paulo Werneck
Produção: Mariana Shiraiwa e Mauricio Abbade
Edição: Igor Yamawaki
Produção musical: Guilherme Granado e Mario Cappi
Finalização e mixagem: Igor Yamawaki
Identidade visual: Quatro Cinco Um
Para falar com a equipe: [email protected]
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