Listão da Semana,

Uma antologia do Rio e mais seis lançamentos

As vozes da metrópole, de Ruy Castro, traz uma seleção da produção escrita na efervescência cultural dos anos 20 no Rio de Janeiro

02dez2021 | Edição #51

Nos anos 20, ainda Capital Federal, o Rio de Janeiro vivia, a seu modo, a efervescência cultural que se espalhou pelo mundo ocidental entre as duas grandes guerras mundiais. É esse recorte de tempo (mais precisamente, o Carnaval de 1919 e a Revolução de 30) que Ruy Castro escolheu para seus As vozes da metrópole, uma seleção da produção escrita na época, que inclui autores consagrados ao lado de nomes muito importantes, mas que hoje estão quase esquecidos. Crônicas, poemas, reportagens e frases de cerca de quarenta autores foram selecionados por Ruy. Nascido em Minas e cidadão benemérito do Rio, o jornalista e escritor é autor de reconstituições históricas de “entidades” cariocas, como a bossa nova, o Flamengo e o bairro de Ipanema, e autor de biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.

As lembranças literárias com sotaque carioca também estão em outro lançamento da semana, A fina flor de Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo de Sérgio Porto, um dos grandes cronistas (e críticos) da cidade e do país nos anos 60, organizadas por Alvaro Costa e Silva, autor do Dicionário amoroso do Rio de Janeiro.

Completam a seleção da semana a edição comemorativa de Ubu rei, um infanto-juvenil que aborda a violência sexual contra crianças, um livro com perfis de mulheres de “espírito rebelde”, ensaios sobre Paulo Freire e o segundo volume da HQ Sapiens.

Viva o livro brasileiro!

As vozes da metrópole: uma antologia do Rio dos anos 20. Ruy Castro.
Companhia das Letras • 464 pp • R$ 79,90/39,90

Um panorama da produção literária e jornalística entre o Carnaval de 1919 e a Revolução de 1930 na então capital do país. No livro, Ruy Castro reúne frases, crônicas, reportagens, poemas e contos de cerca de quarenta autores. Entre eles, nomes consagrados, como Lima Barreto, João do Rio, Murilo Mendes, Julia Lopes de Almeida e Gilka Machado, ao lado de textos de autores muito importantes, mas que hoje estão quase esquecidos. Como explica o autor, “considerando-se a enormidade do que representaram em vida, não se explica que Augusto Frederico Schmidt, Agrippino Grieco, Ronald de Carvalho, Murillo Araujo, Felippe d’Oliveira, Olegario Marianno, Gastão Cruls, Peregrino Junior, Graça Aranha e Gilberto Amado também tenham sido banidos das prateleiras”.

Trecho do livro: “Não quero mais o amor
Nem mais quero cantar a minha terra.
Me perco neste mundo.
Não quero mais o Brasil
Não quero mais geografia
Nem pitoresco.
Quero é perder-me no mundo
Para fugir do mundo”.
Augusto Frederico Schmidt

Leia também: Vagalume deixou a crônica essencial da cidade subalterna que foi e é a essência de um Rio de Janeiro longe do carioquismo.

Assinantes da Quatro Cinco Um têm 25% de desconto no site da editora Companhia das Letras. Conheça o nosso clube de benefícios

———

A fina flor de Stanislaw Ponte Preta. Alvaro Costa e Silva (org.).
Companhia das Letras • 360 pp • R$ 79,90

Um dos grandes cronistas dos anos 60, Sérgio Porto (1923-68) extraía humor dos acontecimentos cotidianos e fazia críticas afiadas ao regime militar. Construiu personagens famosos, como a sapiente Tia Zulmira e o nefando Primo Altamirando.  

O jornalista Alvaro Costa e Silva (autor do Dicionário amoroso do Rio de Janeiro, 2015) reuniu neste volume uma seleção das crônicas extraídas dos volumes Tia Zulmira e eu (1961), Primo Altamirando e elas (1962), Rosamundo e os outros (1963), Garoto linha dura (1964), Febeapá (1966) e Bola na rede (1993).

Trecho do livro: "A Guanabara anda tão confusa que começaram a acontecer as coisas mais esquisitas dos últimos tempos. Deve ser o calor, o sofrimento de um cinema sem refrigeração, a falta de elevadores, a falta de água, a dificuldade de transportes, e a falta de dinheiro do povo e de vergonha do governo. Com tudo isso, o cidadão vai tendo tanta coisa para pensar, mas tanta coisa, que um dia quando ele menos espera, dá um estouro e pronto. Mufa queimada. Carteirinha de doido e caco de miolo pra tudo que é lado".

Leia também: A resenha de Alvaro Costa e Silva para nova edição de Asfalto selvagem, de Nelson Rodrigues. 

Assinantes da Quatro Cinco Um têm 25% de desconto no site da editora Companhia das Letras. Conheça o nosso clube de benefícios

———

Ubu rei ou Os poloneses. Alfred Jarry.
Trad. Bárbara Duvivier e Gregorio Duvivier • Ubu • 128 pp • R$ 99

Edição comemorativa da peça de Jarry (1873-1907), encenada pela primeira vez em 1888 num teatro de fantoches e que se tornou célebre com a tumultuada apresentação de 1896. Considerada o marco inicial do Teatro do Absurdo, a peça tem como protagonista o Pai Ubu, que se tornou o símbolo do político grotesco, estúpido, intratável e trapaceiro que governa à base de atrocidades contra o povo. A edição traz reproduções de Miró, Lina Bo Bardi, Max Ernst e Picasso e uma fortuna crítica com Guillaume Apollinaire, Michel Foucault, Otto Maria Carpeaux e escritos de Jarry. 

Leia também: Dramaturgo põe em cena personagens reais — jornalistas, banqueiros, autoridades e até a si mesmo — em peça sobre a crise financeira de 2008.

Assinantes da Quatro Cinco Um têm 25% de desconto no site da editora Ubu. Conheça o nosso clube de benefícios

———

O corpo é meu, ninguém põe a mão. Denise Natale e Tatiane Moreira Lima.
Ils. Veridiana Scarpelli • Editora Papagaio • 56 pp • R$ 49

Uma história infantil que aborda o problema da violência sexual contra crianças e adolescentes. A gata Estrela é muito amada pela família, vai muito bem na escola e treina muito para competir nos Jogos Olímpicos da floresta. Mas um dia ela conhece um amigo do seu pai, a raposa Lupi Lantra, que começa a assediá-la: dá presentes, tira muitas fotos dela e ameaça fazer coisas ruins com sua família se ela não ceder. Estrela fica cada dia mais triste, perde o apetite, se afasta dos amigos. A situação só se resolve quando ela toma coragem para contar o que está acontecendo. O vilão é denunciado e preso.

Leia também: Em Rônia, uma garota enfrenta o difícil processo de passagem da infância para a vida adulta.

———

Histórias de ninar para garotas rebeldes: 100 mulheres imigrantes que mudaram o mundo. Elena Favilli.
Trad. Flávia Yacubian • Outro Planeta • 224 pp • R$ 119,90

Reúne perfis de cem mulheres de “espírito rebelde”, que migraram para outros países e se tornaram personalidades de destaque em suas áreas. Entre as mulheres retratadas estão Anna Wintour (editora), Anne Hidalgo (prefeita de Paris), Arianna Huffington (CEO), Carmen Herrera (artista), Carmen Miranda (cantora), Claudia Andujar (fotógrafa), Claudia Rankine (poeta), Diane von Fürstenberg (estilista), Gloria Stefan (cantora), Golda Meir (premiê de Israel), Hannah Arendt (filósofa), Josephine Baker (artista), Karen Horney (psicanalista), Lina Bo Bardi (arquiteta), Lupita Amondi Nyong’o (atriz), Paola Carosella (chef), Rihanna (cantora) e Tomie Ohtake (pintora). 
 
Trecho do livro: “Havia uma menina que amava desenhar casas, mas não queria que elas ficassem apenas no papel. Queria dar-lhes vida. Quando Achillina Bo (conhecida como Lina) contou ao pai que queria ser arquiteta, ele não levou a sério. Pouquíssimas mulheres escolhiam arquitetura como carreira. Mas Lina foi para a faculdade de Arquitetura mesmo assim. Lina abriu seu escritório de arquitetura em Milão quando tinha 28 anos. Por conta da Segunda Guerra Mundial, ela não recebia muitos projetos. Um tempo depois, o estúdio foi destruído por bombas e nunca foi reconstruído. Por fim, ela deixou a Itália ao lado de seu marido, um crítico de arte chamado Pietro Maria Bardi”.

Leia também: A Mulher-Maravilha trouxe para a cultura de massas valores como o sufragismo e a luta por direitos.

———

Paulo Freire: a prática da liberdade, para além da alfabetização. Venício Artur de Lima.
Pref. Juarez R. Guimarães • Autêntica/Fundação Perseu Abramo • 162 pp • R$ 49,80

Ensaios sobre a relevância da prática libertária de Paulo Freire para além de uma visão que poderia reduzir, equivocadamente, o pensador a ser apenas o criador de um método de alfabetização. Professor emérito da Universidade de Brasília, Venício Lima mostra como Freire, durante seu exílio no Chile (1964-69), entrou em contato com as ideias de Frantz Fanon, que se tornaram desde então presença constante na produção escrita do intelectual brasileiro. Lima discute ainda os conceitos centrais da obra freiriana (diálogo, violência e libertação) e a influência dos sermões do padre Antonio Vieira, que serviram de base para a formulação do conceito de “cultura do silêncio”.

Ouça: episódio da coleção Narradores do Brasil, do 451 MHz, investiga por que o patrono da educação incomoda tanta gente.

Assinantes da Quatro Cinco Um têm 25% de desconto no site da editora Autêntica. Conheça o nosso clube de benefícios

———

Sapiens volume 2: Os pilares da civilização. Yuval Noah Harari.
Ils. Daniel Casanave • Trad. Érico Assis • Quadrinhos na Cia • 256 pp • R$ 74,90

best-seller de Harari, Sapiens: uma breve história da humanidade, foi transformado em uma série de quatro graphic novels que já venderam mais de 18 milhões de exemplares no mundo. No segundo livro da série, roteirizado por David Vandermeulen, Harari mostra como o Homo sapiens deixou de ser nômade e se transformou em agricultor, o que elevou muito a carga de trabalho das pessoas. O livro ilustra a expansão do cultivo do trigo, o surgimento dos primeiros impérios, a expansão das guerras, da fome e da desigualdade social.

Leia também: Dois neurocientistas conseguem explicar uma grande quantidade de conceitos sem abdicar do dinamismo emocional das HQs.

Assinantes da Quatro Cinco Um têm 25% de desconto no site da editora Companhia das Letras.Conheça o nosso clube de benefícios

———

Faça parte da revista dos livros! Assine a Quatro Cinco Um.

Quem escreveu esse texto

Iara Biderman

Jornalista, editora da Quatro Cinco Um, está lançando Tantra e a arte de cortar cebolas (34).

Mauricio Puls

É autor de Arquitetura e filosofia (Annablume) e O significado da pintura abstrata (Perspectiva), e editor-assistente da Quatro Cinco Um.

Matéria publicada na edição impressa #51 em setembro de 2021.