
Listão da Semana,
Racismo científico e mais 6 lançamentos
“Brasil dos humilhados” sustenta que a maior parte da intelectualidade brasileira defende os privilégios da elite nacional
20abr2022 | Edição #56Quando os ricos e privilegiados — aqueles que possuem os meios para influenciar as produções culturais, as escolas, as universidades, as mídias e as redes sociais — são inteligentes e talentosos o suficiente para mascarar ideias elitistas e excludentes como sendo críticas de interesse de todos, como sendo ciência, cria-se um “racismo científico” extremamente eficiente e perigoso. É sobre isso que versa Jessé Souza em Brasil dos humilhados, que chega nesta semana às livrarias. Em um país que sofre de desigualdade crônica, vale e muito a leitura.
Completam a seleção da semana o último livro de Leonard Cohen, uma análise do percurso de Charles Darwin até A origem das espécies, contos da argentina Samanta Schweblin, uma reflexão de Heloisa Buarque de Hollanda sobre o papel das mulheres na cultura brasileira, um clássico de Virginia Woolf em nova edição e uma tese sobre o discurso de ódio na sociedade brasileira.
Viva o livro brasileiro!
Brasil dos humilhados: uma denúncia da ideologia elitista. Jessé Souza.
Civilização Brasileira/Record • 252 pp • R$ 39,90
Ex-presidente do Ipea, o sociólogo Jessé Souza sustenta que a maior parte da intelectualidade brasileira defende os privilégios da elite nacional, mascarando as contradições reais da sociedade e apontando falsos responsáveis pelos problemas brasileiros. Desde a década de 30, o pensamento brasileiro tem sido dominado por um “racismo científico” que criminalizou o Estado, a política, o voto e a participação popular como sendo produto da desonestidade e da corrupção, culpando assim o próprio povo pela sua pobreza. Para Souza, esse “racismo científico” embasa as concepções de Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro e Roberto DaMatta, além de Talcott Parsons e Niklas Luhmann.
Trecho do livro: “Importante perceber que a elite e a classe média branca, importada da Europa, se via como europeia de origem e, portanto, não partícipe da maldição cultural do povinho mestiço e negro tido como supostamente corrupto e eleitor de corruptos. Desse modo, o racismo secular brasileiro podia, então, assumir a máscara dourada da suposta maior moralidade das classes altas como forma de justificar seus privilégios e o desprezo ao próprio povo”.
Leia também: Como o racismo estrutural e as leis do direito à propriedade formaram o espaço urbano e as desigualdades no Brasil.
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A chama: poemas, letras, desenhos, notas. Leonard Cohen.
Trad. Caetano W. Galindo • Companhia das Letras • 608 pp • R$ 99,90
Último livro do compositor e escritor canadense Leonard Coen (1934-2016), o volume reúne 63 poemas que ele mesmo selecionou, incluindo as letras das canções de seus últimos quatro álbuns (Blue Alert, Old Ideas, Popular Problems e You Want it Darker), o discurso que fez quando recebeu o Prêmio Princípe de Astúrias, anotações extraídas dos cadernos que mantinha desde a adolescência e setenta autorretratos, além de outros desenhos.
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As vinte mil léguas de Charles Darwin: o caminho até A origem das espécies. Leda Cartum e Sofia Nestrovski.
Fósforo/Edições Sesc • 312 pp • R$ 69,90
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O livro é a versão impressa do podcast de divulgação científica Vinte mil léguas, realizado pela Quatro Cinco Um em parceria com a Livraria Megafauna e com o apoio do Instituto Serrapilheira, que apresentou o percurso de Charles Darwin até a elaboração de A origem das espécies (1859). Dividido em cinco capítulos, o volume mostra o estado das investigações científicas no século 19, quando as ciências humanas, exatas e biológicas ainda não haviam se compartimentalizado. e expõe a gênese das concepções de Darwin – as ideias correntes na época, os anos de estudo em Cambridge, o contato com outros pensadores, a experiência a bordo do Beagle.
Leia também: Apesar de respeitar e admirar pensadoras e escritoras, Charles Darwin subestimava o poder intelectual das mulheres.
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Pássaros na boca e Sete casas vazias: contos reunidos. Samanta Schweblin.
Trad. Joca Reiners Terron • Fósforo • 280 pp • R$ 69,90
O livro reúne dois volumes de contos de uma das principais escritoras argentinas da atualidade. Ganhadora de diversos prêmios (Juan Rulfo, Casa de las Américas, Shirley Jackson, Fondo Nacional de las Artes, Ribera de Duero, Tigre Juan, Konex), Samanta Schweblin escreve contos insólitos e perturbadores, que deixam o leitor em dúvida e nos quais os espaços da vida cotidiana são abalados pela emergência de algum tipo de violência, num estilo que recorda o de Julio Cortázar. No conto que dá título ao livro, uma menina passa a se alimentar de pássaros vivos, para desespero de seus pais.
Trecho do livro: “De costas para nós, pondo-se na ponta dos pés, abriu a gaiola e pegou o pássaro. Não pude ver o que fez. O pássaro piou e ela fez um pouco de força, talvez porque o pássaro tenha tentado escapar. Silvia tapou a boca com a mão. Quando Sara se virou para nós o pássaro tinha sumido. Sua boca, o nariz, o queixo e as duas mãos estavam cheios de sangue. Sorriu envergonhada, sua boca gigante se esticou e abriu, e seus dentes vermelhos me fizeram levantar de um salto. Corri até o banheiro, me fechei e vomitei na privada”.
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Feminista, eu? Literatura, Cinema Novo, MPB. Heloisa Buarque de Hollanda.
Bazar do Tempo • 224 pp • R$ 59,90
Heloisa Buarque de Hollanda — escritora, crítica literária e professora emérita da UFRJ — reflete sobre o papel das mulheres em três campos da cultura brasileira entre os anos 50 e 70: o Cinema Novo, a MPB e a literatura. Ela descreve a importância política da produção cultural de mulheres que, embora não se declarassem feministas, deram voz às questões e realidades do universo feminino. É o caso de nomes como Helena Ignez, Leci Brandão, Rita Lee, Nara Leão, Elis Regina, Marilene Felinto, Ana Cristina Cesar, Adélia Prado e Lygia Fagundes Telles.
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Um teto todo seu. Virginia Woolf.
Trad. Vanessa Barbara • Fotos Luisa Callegari • Apres. Aline Bei • Posf. Ana Carolina Mesquita, Renata Cristina Pereira e Monica Hermini • Antofágica • 248 pp • R$ 89,90
Considerado um marco do pensamento feminista, o livro de Virginia Woolf expõe a posição da mulher na sociedade e a maneira como as limitações financeiras e os preconceitos sociais impedem que elas se expressem livremente na esfera cultural, apontando as dificuldades que elas enfrentam para escrever suas obras e, sobretudo, para serem lidas. Se Shakespeare tivesse uma irmã de igual talento, ela teria as mesmas oportunidades que ele teve para produzir suas peças e para ser reconhecida?
Leia também: Ao se disfarçar de “príncipe abissínio”, Virginia Woolf enganou a Marinha britânica em episódio que traz questionamentos sobre o privilégio da ambiguidade.
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Discurso de ódio nas redes sociais. Luiz Valério Trindade.
Jandaíra • 176 pp • R$ 29,90
Autor de uma tese sobre o discurso de ódio na sociedade brasileira, defendida na Universidade de Southampton, Luiz Valério Trindade mostrou que as mulheres negras em ascensão social, na faixa etária de 20 a 35 anos, somavam 81% das vítimas de discursos racistas nas redes sociais (65% dos agressores são homens na casa dos 20 anos). A partir dessas evidências, ele analisa textos postados nas redes sociais e revela o quanto o racismo está vinculado ao sexismo e à posição de classe.
Trecho do livro: “No entanto, é possível observar que a mobilidade social ascendente das mulheres negras desestabiliza essa hierarquia imaginária e desencadeia reações significativas de supremacistas brancos como visto neste livro. Na verdade, os posts e tuítes analisados revelam que as conquistas simbólicas das mulheres negras conflitam frontalmente com o ʽlegítimoʼ espaço social a elas atribuído, o que, no imaginário coletivo, está profundamente associado à inferioridade e à subserviência”.
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Matéria publicada na edição impressa #56 em abril de 2022.
Porque você leu Listão da Semana
Encantos de Ruth Guimarães
Escritora, professora e jornalista pesquisou saberes populares, ritos, magias, mitologias e tudo o que serve para encantar a vida
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