Listão da Semana,
O século da solidão e mais 6 lançamentos
Economista inglesa sustenta que, muito antes da pandemia, a solidão já constituía a condição fundamental do século 21
17set2021 | Edição #49Você conhece seus vizinhos pelo nome? Se antes da pandemia do novo coronavírus a solidão já era a condição definidora do indivíduo contemporâneo, o isolamento social (e as angústias dele advindas) dissolveu ainda mais os laços possíveis entre nós. Segundo defende a economista inglesa Noreena Hertz em O século da solidão, que chega nesta semana às livrarias brasileiras, há claros culpados: a tecnologia, a reorganização radical do local de trabalho e décadas de políticas neoliberais que colocaram o interesse próprio acima do bem coletivo. Quem paga o preço? Nossa saúde mental. Mas nem tudo está perdido: há saídas possíveis.
Completam a seleção da semana uma ode às revoltas escravas no Brasil, dois cursos de Foucault inéditos por aqui, um ensaio sobre o narcisismo em tempos regidos pela mercantilização, o romance vencedor do último prêmio Kindle, notas sobre o espírito militar e uma antologia de poemas (alguns inéditos) de Luiz Ruffato.
Viva o livro brasileiro!
O século da solidão: restabelecer conexões em um mundo fragmentado. Noreena Hertz.
Trad. Marina Vargas • Record • 462 pp. • R$ 89,90
A economista inglesa Noreena Hertz sustenta que, muito antes do aparecimento da pandemia de Covid-19, a solidão já constituía a condição fundamental do século 21. Os laços de sociabilidade estão se dissipando em razão de mudanças tecnológicas (como smartphones e redes sociais), de desagregação de partidos, sindicatos e associações comunitárias e do desmantelamento do Estado de bem-estar social pelas políticas neoliberais. A frustração advinda do isolamento social e do sentimento de abandono que o acompanha tem impactos devastadores sobre a saúde mental, com custos econômicos e políticos crescentes, já que a solidão vem impulsionando os movimentos extremistas de direita no mundo inteiro (vide eleições de Donald Trump, Matteo Salvini e Jean-Marie Le Pen). Para reverter esse quadro, ela propõe mudanças urbanísticas e usos diferentes da inteligência artificial.
Trecho do livro: “O neoliberalismo fez com que passássemos a nos ver como competidores em vez de colaboradores, consumidores em vez de cidadãos, pessoas que acumulam em vez de compartilhar, que têm em vez de dar, que trabalham sem parar em vez de ajudar; pessoas que não só estão ocupadas demais para ajudar os vizinhos, mas que nem sequer sabem o nome dos vizinhos. E deixamos coletivamente isso acontecer. Em muitos aspectos, essa foi uma resposta racional. Pois, no capitalismo neoliberal, se eu não cuidar de ‘mim’, quem vai cuidar? O mercado? O Estado? Meu empregador? Meu vizinho? Improvável. O problema é que uma sociedade egoísta ‘voltada para o eu’, na qual as pessoas sentem que precisam cuidar de si mesmas porque ninguém mais o fará, é inevitavelmente uma sociedade solitária”.
Leia também: Amin Maalouf fala sobre como a lógica capitalista, o cerco às liberdades e o sectarismo radical têm causado o declínio da nossa civilização.
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Sobre a sexualidade. Michel Foucault.
Trad. Vera Ribeiro • Zahar/Companhia das Letras • 344 pp. • R$ 99,90
A Zahar traduz para o português, pela primeira vez, dois cursos de Foucault que resultariam em um de seus trabalhos mais célebres, História da sexualidade (1976). O primeiro ocorreu em 1964, na Universidade de Clermont-Ferrand, no qual investigou como a sexualidade se transformou em um objeto do conhecimento dentro da cultura ocidental, e por que ele se desenvolveu a partir da fixação nas supostas “perversões”, como a homossexualidade e o fetichismo. O segundo aconteceu em 1969, na Universidade de Vincennes, em que suas reflexões foram reorientadas pelos acontecimentos de Maio de 1968. Ele examinou os formuladores de utopias que tentaram incluir formas transgressivas na vida social (Sade, Fourier, Marcuse) e mostrou as funções sociais e políticas do discurso sobre sexualidade.
Michel Foucault Reprodução
Leia também: Bernardo Carvalho faz uma leitura literária do primeiro volume de História da sexualidade, de Foucault, em diálogo com Jacques Rancière.
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Revoltas escravas no Brasil. João José Reis e Flávio dos Santos Gomes (org.).
Companhia das Letras • 672 pp. • R$ 109,90/49,90
As causas, os protagonistas e as consequências das maiores rebeliões de escravizados no Brasil são tema dos catorze ensaios do livro. Os textos tratam de episódios passados desde o século 17 até a Abolição, em 1888, como as guerras contra o Quilombo dos Palmares (Luiz Felipe de Alencastro), a revolta haussá de 1809 na Bahia (João José Reis), a “república negra” na vila de Guaraparim, no Espírito Santo (Thiara Bernardo Dutra), as insurreições escravas no Rio Grande do Sul (Mário Maestri), os escravos abolicionistas nas terras diamantinas de Minas no século 19 (Isadora Moura Mota) e as revoltas no Maranhão, no Rio de Janeiro e em São Paulo (Flávio dos Santos Gomes e Maria Helena P. T. Machado). Trata-se de uma empenhada tentativa de compreender as origens e as vivências dos heroicos personagens que arriscaram a vida contra a opressão.
Ouça também: Laurentino Gomes e Leonardo Sakamoto falam sobre escravidão contemporânea em novo episódio do podcast 451 MHz.
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A sociedade autofágica: capitalismo, desmesura e autodestruição. Anselm Jappe.
Trad. Júlio Henriques • Elefante • 336 pp. • R$ 69,90
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Inspirado no mito de um rei que devorou a si mesmo porque nada satisfazia a sua fome, Anselm Jappe analisa o problema do narcisismo em nossa sociedade, regida pela mercantilização. Segundo o filósofo alemão, vivemos a “pulsão de morte do capitalismo”, gerada pela perda de sentido e pela negação dos limites, o que provocou crises antropológica, civilizacional e da subjetividade. Para o autor, se quisermos realmente achar um caminho para sair desse sistema, precisaremos “desenredar os infinitos fios da meada que leva os indivíduos a colaborar — em diversos graus — com o sistema que os oprime”.
Trecho do livro: “Podemos agora voltar ao nosso ponto de partida, o mito de Erisícton. A húbris que impele de forma irresistível o rei da Tessália revela-se, conforme dissemos, uma prefiguração espantosa do narcisismo da época contemporânea. Estaremos nós condenados a acabar como Erisícton, devorando a nós mesmos depois de termos destruído a natureza? No mito, o culpado é o rei. Os servos apavoram-se perante o ato sacrílego e hesitam. Mas, ante a violência do rei — que não hesita em cortar a cabeça de um deles —, cedem. Embora estejam, obviamente, em condições de se opor ao rei, não fazem uso da sua força e acabam, desse modo, por se tornar cúmplices do monarca”.
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O pássaro secreto. Marilia Arnaud.
José Olympio/Record • 196 pp. • R$ 49,90
Vencedor do 5º Prêmio Kindle de Literatura, o romance psicológico da paraibana Marilia Arnaud tem como protagonista uma menina inteligente e solitária, leitora de Shakespeare e Cecília Meireles, que aos treze anos tem sua rotina virada pelo avesso em razão da chegada de uma meia-irmã, filha de seu pai, que conquista o afeto de todos os integrantes de sua família e também de seu crush. Tomada pelo ciúme, ela inicia então um ciclo de vingança.
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O espírito militar: um antropólogo na caserna. Celso Castro.
Companhia das Letras • 296 pp. • R$ 59,90
Baseado em uma pesquisa de campo realizada no interior da Academia Militar das Agulhas Negras em 1987 e 1988, Celso Castro descreve a dinâmica do processo de formação de oficiais no Brasil. O antropólogo mostra que a identidade militar é construída com base em uma visão binária, segundo a qual a esfera militar se opõe simbolicamente à esfera civil. Nessa perspectiva maniqueísta, os códigos que regem a vida na caserna (disciplina, ordem, maturidade, seriedade) são contrapostos às supostas características dos “paisanos” (displicência, desordem, infantilidade, falta de seriedade), o que comprovaria a “superioridade” dos militares. A edição traz um capítulo inédito e um novo prefácio.
Ouça também: Bernardo Kucinski e Heloisa Starling falam sobre como a ditadura militar brasileira é representada na ficção nacional em episódio do podcast 451 MHz.
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Manhãs de sabre. Luiz Ruffato.
Faria e Silva • 128 pp. • R$ 47
Ganhador de importantes prêmios nacionais (Jabuti, Machado de Assis, APCA) e estrangeiros (Casa de las Américas, Hermann Hesse), o autor de Eles eram muitos cavalos (2001) reúne poemas recuperados de Cotidiano do medo (1984), livro que marcou sua estreia literária, e das obras As máscaras singulares (2002), Paráguas verdes (2011) e O amor encontrado (2013). O volume traz ainda poemas inéditos.
Leia também: Luiz Ruffato traz visão melancólica da sua cidade natal em O verão tardio.
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Matéria publicada na edição impressa #49 em julho de 2021.
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