Listão da Semana,
O que animais, doenças e borrões revelam sobre nós
Três lançamentos desta semana investigam o psicológico e o emocional dos seres humanos
28maio2021 | Edição #45O que doenças, animais e borrões de tinta revelam sobre nós? É o que tentam responder três lançamentos desta semana. O crítico de cinema brasileiro Jean-Claude Bernardet pondera em O corpo crítico sobre como a enfermidade age sobre nosso psicológico; o primatólogo holandês Frans de Waal reflete sobre as notáveis aptidões emocionais dos animais e o que elas dizem sobre os humanos; e o tradutor norte-americano Damion Searls se debruça sobre o célebre teste de avaliação psicológica pictórica desenvolvido pelo psiquiatra suíço Hermann Rorschach.
Completam a seleção da semana o novo romance do pseudônimo de J. K. Rowling, o livro que inspirou Nomadland (o grande vencedor do Oscar 2021), ensaios sobre a África por Alberto Costa e Silva, o thriller da nigeriana Oyinkan Braithwaite e um manual de como criar seu próprio podcast.
Viva o livro brasileiro!
(Pintura de Andy Warhol inspirada no Teste de Rorschach, 1984/ The Andy Warhol Foundation for the Visual Arts, Inc./Artists Rights Society (ARS), Nova York. Cortesia da Galeria Gagosian.)
O corpo crítico. Jean-Claude Bernardet.
Companhia das Letras • 128 pp. • R$ 38,90
Um dos maiores críticos de cinema do país expõe nessesensaios sua relação com a enfermidade (soropositivo, teve meningite e câncer), que joga o indivíduo na antessala da morte, condenando-o ao cansaço, à rotina da espera, às filas de hospital e aos enterros de amigos. Mostra também as imposições do sistema de saúde, que tortura os doentes com tratamentos mesmo quando não há possibilidade de cura, e defende o suicídio medicamente assistido. “Preciso sair desse limbo dos pré-mortos para onde vou sendo empurrado, o que vai me matar não é a doença, é a rede que está se fechando em volta de mim.” O livro traz ainda o relato “A doença, uma experiência”, publicado por Bernardet em 1996.
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Trecho do livro: “Tempos atrás e bem antes da volta desse câncer prostático, postei um texto curto intitulado Longevidade e capitalismo. A longevidade é uma necessidade industrial. Laboratórios farmacêuticos, fabricantes de máquinas de ponta para diagnósticos por imagem e outras finalidades, hospitais precisam da nossa ‘bio’ — o que não quer dizer a nossa vida — para lucrar, sendo que a manutenção da bio independe da qualidade de vida. Uma forma de resistência a essa ala do capitalismo consistiria em privá‑la da nossa bio, isto é, da sua fonte de riqueza. Acredito que, com humor (levo o humor a sério), eu sugeria uma reapropriação de nossos corpos pelo suicídio consciente e lúcido”.
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Teste de Rorschach: a origem do diagnóstico psicológico e seu criador. Damion Searls.
Trad. Cláudia Mello Belhassof • Darkside • 496 pp. • R$ 69,90
O tradutor norte-americano (de Proust, Rilke, Gide, Walser, Döblin, Handke) conta em detalhes a vida do psiquiatra suíço Hermann Rorschach que desenvolveu seu teste projetivo — ou “teste do borrão de tinta” — em 1918. A técnica de avaliação psicológica pictórica veio a público em seu livro Psicodiagnóstico, lançado há cem anos, em junho de 1921 (Rorschach morreu em abril do ano seguinte, aos 37 anos, de peritonite). Searls mostra o interesse despertado pelos testes de Alfred Binet, a influência de Freud e de Jung em suas concepções sobre a psique, o processo de criação das pranchas com manchas (reduzidas de 25 para dez por imposição de sua editora) e o modo original como ele classificou as interpretações (de forma, cor, movimento) e distinguiu as respostas normais das patológicas.
Leia também: Jornalista francesa convida psicanalistas a falar sobre seus pacientes preferidos.
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O último abraço da matriarca: as emoções dos animais e o que elas revelam sobre nós. Frans de Waal.
Trad. Pedro Maia Soares • Companhia das Letras • 452 pp. • R$ 89,90
Diretor do Centro Nacional Yerkes de Pesquisa sobre Primatas, o cientista holandês — autor de A era da empatia (2009) — investiga os sentimentos dos animais e o que eles revelam sobre nós a partir do estudo de relacionamentos afetivos dos bichos (elefantes, cachorros, ratos) com seus semelhantes e com seres humanos: “Os primatas expressam-se de um modo mais parecido conosco, porém as emoções estão em toda parte no reino animal, de peixes a aves, insetos e até moluscos mal-humorados como o polvo”, escreve o primatólogo. Entre as histórias contadas estão a de um cão enlutado pela perda do amigo e de elefantes que revisitam ossos de seus entes queridos.
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A África e os africanos na História e nos mitos. Alberto da Costa e Silva.
Nova Fronteira • 208 pp. • R$ 49,90
Ganhador do prêmio Camões de 2014, o poeta e historiador brasileiro conheceu uma extensa carreira diplomática, durante a qual serviu como embaixador em Lagos de 1979 a 1983. Três anos após deixar a Nigéria, recebeu o título de doutor honoris causa da Universidade Obafemi Awolowo, em Ile-Ife. Em 1992, após alguns anos de pesquisas, publicou seu primeiro livro sobre história da África, A enxada e a lança: a África antes dos portugueses, ao qual se seguiu, em 2002, A manilha e o libambo: a África e a escravidão, de 1500 a 1700, pelo qual ganhou o prêmio Sérgio Buarque de Holanda, da Biblioteca Nacional, e o Jabuti. Seu novo trabalho insere-se na mesma linha, com ensaios sobre os iluministas e a escravidão, o reino de Daomé, a África de d. João, o escravo nos anúncios de jornal e os africanos no Brasil.
Leia também: As ricas civilizações do continente africano, por Howard W. French, e o trabalho intelectual de Muryatan S. Barbosa que define a identidade africana e constrói uma sociedade pós-colonial, por Itamar Vieira Junior e Marina de Mello e Souza.
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Sangue revolto. Robert Galbraith.
Trad. Ryta Vinagre • Rocco • 960 pp. • R$ 99,90
Sob seu já conhecido pseudônimo masculino, a escritora J.K. Rowling, criadora da série Harry Potter, lança o quinto volume da série de suspense protagonizada pelo angustiado detetive Cormoran Strike. Desta vez ele viaja para a Cornualha, na Inglaterra, para ajudar a cuidar de sua tia doente, quando é abordado por uma mulher que solicita ajuda para encontrar sua mãe, desaparecida em 1974. Eles começam a investigar o desaparecimento quando se deparam com outro caso complexo, envolvendo um assassino em série e testemunhas esquisitas.
Com quase mil páginas, o thriller ficou na lista dos mais vendidos no Reino Unido e venceu o Book British Book Award na categoria melhor livro de crime e ficção. Mas não sem polêmicas: as acusações de transfobia que Rowling vem recebendo desde 2019, quando deu declarações ofensivas à comunidade transgênero, intensificaram-se por causa do serial killer do livro, que se disfarça de mulher para cometer crimes contra mulheres cisgênero.
Leia também: Qualidades intrínsecas ao romance explicam a permanência do sucesso da saga Harry Potter em mais de vinte anos.
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Nomadland: sobrevivendo na América no século 21. Jessica Bruder.
Trad. Ryta Vinagre • Rocco • 304 pp. • R$ 59,90
O livro-reportagem inspirou o filme homônimo ganhador do Oscar de melhor filme, melhor diretora e melhor atriz neste ano. A obra retrata os errantes que se multiplicaram nos Estados Unidos depois de perder seus bens e suas economias após a crise global de 2008. Eles desistiram de viver em casas e agora habitam em vans, trailers, picapes adaptadas, ônibus escolares ou automóveis. Fazem trabalhos braçais para encher os tanques e comprar comida, lavam as roupas em lavanderias e tomam banho em academias. Não gostam de ser chamados de “sem-teto”, mas se autodenominam “sem casa”. Nômades, começaram a se agrupar em comunidades.
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O bebê é meu. Oyinkan Braithwaite.
Trad. Carolina Kuhn Facchin• Kapulana • 78 pp. • R$ 23,90
Neste thriller ambientado em Lagos, Nigéria, na atual pandemia, uma mulher expulsa o namorado do apartamento no qual estavam confinados ao descobrir que ele mantém um relacionamento com outra . Sem ter para onde ir, ele busca refúgio na casa de um tio que havia morrido no início da pandemia, mas se surpreende ao descobrir que ela não estava vazia: nela viviam sua tia, a amante de seu tio e um bebê — e tanto a tia quanto a amante diziam que o bebê era delas. Jovem escritora que se destaca em competições de slam, a nigeriana Oyinkan Braithwaite, 33, veio para a Festa Literária Internacional do Pelourinho em 2019 para o lançamento de seu primeiro livro, Minha irmã, a serial killer, obra finalista do Booker Prize 2019 traduzida para 26 idiomas.
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Ouvindo vozes: como criar um podcast de sucesso e ainda ganhar dinheiro com isso. Gus Lanzetta.
Planeta • 160 pp. • R$ 38,90
Um criador de podcasts explica como funciona essa mídia, que parece “um rádio na internet” e é “o meio mais orgânico, flexível e dinâmico que a internet já possibilitou”. Embora ainda seja considerado uma mídia de nicho, vem contribuindo para democratizar o acesso das pessoas aos microfones e, com isso, conquistando uma audiência cada vez maior. Lanzetta, que já desenvolveu projetos para Spotify, Sony e Netflix, mostra todos os passos para criar um podcast, desde a definição do tema, do público e do nome do podcast até sua produção, publicação e divulgação.
E fica aqui o convite para ouvir os podcasts da Quatro Cinco Um: a primeira temporada do Vinte Mil Léguas percorre as trilhas literárias e científicas de Darwin; o Revoar, do Laut, discute as relações entre liberdade e autoritarismo; e o 451 MHz coloca o livro no centro do debate (destacamos o episódio especial narrativo sobre Rubem Fonseca).
Matéria publicada na edição impressa #45 em abril de 2021.
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