Listão da Semana,

Impressão da irrealidade

‘O pequeno livro do grande terremoto’ compara a tragédia lisboeta ao ataque às Torres Gêmeas e outros desastres de grandes proporções

26jul2022 | Edição #60

À semelhança de como as pessoas costumam hoje lembrar onde estavam durante os atentados do 11 de Setembro, recordarão também, em anos vindouros, os dias que precederam a súbita escalada do novo coronavírus. É o que Rui Tavares descreve como uma impressão da irrealidade: “O solo que se pisava parecia diferente e no dia seguinte, ao acordar, muita gente se terá perguntado se tudo aquilo tinha realmente acontecido”. Escritor e deputado português, ele é autor de O pequeno livro do grande terremoto, que chega nesta semana às livrarias pela Tinta-da-China Brasil. Tavares compara a tragédia lisboeta ao ataque às Torres Gêmeas e outros desastres de grandes proporções, indagando de que modo as catástrofes mudam a nossa percepção de mundo.

Completam a seleção da semana um clássico da francesa Violette Leduc, a história da maconha no Brasil, romances do sul-africano Damon Galgut e do brasileiro Luís Francisco Carvalho Filho e uma biografia do martinicano Frantz Fanon.

Viva o livro brasileiro!

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O pequeno livro do grande terremoto: ensaio sobre 1755. Rui Tavares.
Tinta-da-China Brasil • 244 pp • R$ 69,90

O escritor e deputado português Rui Tavares compara o impacto do terremoto que destruiu Lisboa no século 18 aos incêndios de Roma em 64 d.C., ao ataque às Torres Gêmeas de 2001 e ao tsunâmi no sul da Ásia em 2004, e reflete sobre o modo como as catástrofes mudam nossa percepção do mundo. Voltaire, Rousseau e Kant também já escreveram sobre o fenômeno, que provocou um imenso estrago nas concepções otimistas sobre o progresso humano. Publicado em Portugal em 2005, por ocasião dos 250 anos da catástrofe, o livro foi considerado o Melhor Ensaio do ano em 2006 (Público/RTPN) e já foi traduzido para o russo, o inglês e o italiano.

“Exercícios de história contrafactual costumam ser inócuos. Este não. Mostra o que o terremoto trouxe a Lisboa, permitindo que ela se reconfigurasse”, escreve Pedro Paulo Pimenta ao resenhar o livro na Quatro Cinco Um. Leia o texto na íntegra.

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A bastarda. Violette Leduc.
Pref. Simone de Beauvoir • Trad. Marília Garcia • Bazar do Tempo • 528 pp • R$ 88

Publicada em 1964, a autobiografia ficcionalizada da escritora francesa Violette Leduc se tornou seu romance de maior sucesso. Leduc estreou na literatura em 1946 com A asfixia, editado por Albert Camus. Criada por uma mãe solteira e extremamente rígida, que a desprezava e a culpava pelos seus problemas, ela se julgava feia e sem atrativos, mas inspirava paixões em homens e mulheres. O volume traz um excelente prefácio de Simone de Beauvoir.

Leia também: Biógrafa de Beauvoir fala da ética envolvida ao escrever sobre a vida de mulheres e os feminismos contemporâneos.

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História da maconha no Brasil. Jean Marcel Carvalho França.
Jandaíra • 168 pp • R$ 52,90

No final do século 16, dois vice-reis do Brasil tentaram, sem sucesso, incentivar a cultura do cânhamo no sul do país. Coube ao naturalista austríaco Carl Friedrich Ph. von Martius, em 1853, a primeira menção às propriedades médicas da planta em solo brasileiro, seguido, em 1908, pelo médico polonês Pedro Luiz Napoleão Chernoviz. Este, no entanto, reputava o hábito de consumir cânabis como um legado nefasto da população negra no Brasil, e o gradativo crescimento dessa percepção, junto a uma campanha internacional de difamação, culminou na sua proibição no país em 1936. Para além dos benefícios e malefícios, Jean Marcel Carvalho França foca neste livro o percurso histórico da maconha no Brasil, apresentando as concepções sobre ela do período colonial até hoje. França é professor de história na Universidade Estadual Paulista (Unesp) e autor de Literatura e sociedade no Rio de Janeiro oitocentistaA construção do Brasil na literatura de viagem dos séculos 16, 17 e 18.

Leia também: Livro destaca o embasamento científico, a legitimidade cultural e a aceitação social da maconha para além do que diz o governo.

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A promessa. Damon Galgut.
Trad. Caetano W. Galindo • Record • 308 pp • R$ 69,90

O escritor e dramaturgo de Pretória ganhou o Booker Prize de 2021 com este drama épico sobre a África do Sul. O livro acompanha três décadas de vida de uma família sul-africana — e da empregada negra que trabalhou a vida inteira para eles: “O meu avô sempre falava dela assim, Ah, a Salome, ela veio junto com a terra”. As personagens se reúnem em quatro funerais enquanto o país assiste ao fim do apartheid e à queda do regime racista. Galgut é autor também de The Good Doctor (2003).

Leia também: Inspiradora, história de Mandela é oportuna para discutir a justiça racial no Brasil.

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Vou sumir quando a vela se apagar. Diogo Bercito.
Intrínseca •  216 pp • R$ 54,90/26,90

Profundo conhecedor da cultura e da história dos povos árabes e autor de Brimos (Fósforo, 2021), no qual descreve a imigração sírio-libanesa no Brasil, o jornalista e escritor paulistano Diogo Bercito lança seu primeiro romance. A trama, que envolve imigração, identidade, amor e mitologia, é centrada em dois amigos inseparáveis, Yacub e Butrus, e se passa entre um pequeno povoado da Síria e a efervescente São Paulo do início dos anos 30.

Leia também: Diego Bercito resenha a tradução do árabe de textos integrais inéditos do Livro das mil e uma noites

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Frantz Fanon: um retrato. Alice Cherki.
Pref. Priscilla Santos • Trad. Rainer Patriota • Perspectiva • R$ 84,90

A psicanalista argelina Alice Cherki, que foi aluna e depois colega de Frantz Fanon de 1955 a 1961, na Argélia e na Tunísia, assina esta biografia do psiquiatra martinicano. Ela descreve o envolvimento de Fanon na luta pela libertação da França na Segunda Guerra, seus estudos em Lyon, a origem de suas ideias sobre psiquiatria, seu trabalho no Hospital de Blida, em Argel, sua participação na luta pela independência, seus últimos anos e o legado deixado por sua obra.

Leia também: Coleção de textos mostra como Frantz Fanon articula de forma pioneira o antirracismo à prática clínica.

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Newton. Luís Francisco Carvalho Filho. 
Fósforo • 136 pp • R$ 54,90/34,90

O processo kafkiano enfrentado por Newton, um escritor sem diploma universitário que expõe opiniões um tanto esdrúxulas em um blog na internet, é o cerne do romance do paulistano Luís Francisco Carvalho Filho, que resgata a atmosfera trágica de seu livro de contos Nada mais foi dito nem perguntado (Editora 34, 2001), adaptado para o teatro pelo grupo Folias D’Arte. Carvalho Filho é advogado e ex-presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos do Ministério da Justiça.

Trecho do livro: “Minha situação é grave. Eu não posso simplesmente emigrar. Eu não tenho documentos. A arbitrariedade que me atinge, ou, se preferir, a política de Estado que aqui se pratica, pelo menos comigo, é a de não fornecer documento sem que eu identifique a cidade e a data de nascimento, os meus ancestrais. Eu sou apenas Newton, sem sobrenome, sem documentos, sem registro de filiação. Vivo assim há décadas, jamais pratiquei um crime”.

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Quem escreveu esse texto

Marília Kodic

Jornalista e tradutora, é co-autora de Moda ilustrada (Luste).

Mauricio Puls

É autor de Arquitetura e filosofia (Annablume) e O significado da pintura abstrata (Perspectiva), e editor-assistente da Quatro Cinco Um.

Matéria publicada na edição impressa #60 em agosto de 2022.