Listão da Semana,
‘A cilada da meritocracia’ e mais 8 lançamentos
Celebramos nesta semana a chegada às livrarias brasileiras de dois livros para afastar a pior das pobrezas: a de espírito
01set2021 | Edição #49Qual o problema de a energia ficar mais cara?”, perguntou Paulo Guedes, ministro da Economia do Brasil, na última quarta-feira. O obtuso ganido se soma a outros de sua autoria, como “Pobre tem que comer as sobras da classe média”, “O Fies bancou a universidade para o filho do porteiro que zerou no vestibular” e “As domésticas estão fazendo festa na Disney”. Isso posto, celebramos nesta semana a chegada às livrarias brasileiras de dois livros para afastar a pior das pobrezas: a de espírito.
Ganhador do Nobel de Economia em 2019 por sua abordagem experimental para aliviar a pobreza global, o casal Abhijit Banerjee e Esther Duflo apresenta em A economia dos pobres soluções consistentes para reduzir a desigualdade — que, segundo Daniel Markovits, professor da Universidade Yale e autor de A cilada da meritocracia, tem como principal causa o sistema meritocrático, que precisa ser desconstruído.
Completam e seleção da semana relatos sobre a vida pós-11 de setembro de 2001, os novos romances de Mario Prata e Antônio Xerxenesky, uma biografia de Roland Barthes, discursos de Malcolm X, a continuação de um dos maiores sucessos da literatura espanhola contemporânea e a reedição de um clássico de Contardo Calligaris.
Viva o livro brasileiro!
A economia dos pobres: uma nova visão sobre a desigualdade. Abhijit Banerjee e Esther Duflo.
Trad. Pedro Maia Soares • Zahar/Companhia das Letras • 344 pp • R$ 84,90
Ganhadores do prêmio Nobel de Economia de 2019, os pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT) mostram as condições de vida das pessoas pobres e a lógica de suas escolhas econômicas, que frequentemente realimentam a miséria. As políticas governamentais destinadas a ajudá-las em geral fracassam porque se baseiam em clichês e ideias equivocadas. Os dois economistas sustentam que é possível fazer progressos reais no combate à pobreza se dividirmos os problemas em uma série de perguntas menores. Como resultado direto de um de seus estudos, para ficar em um exemplo, mais de 5 milhões de crianças indianas se beneficiaram de programas de aulas de reforço nas escolas.
Leia também: Monumental e atordoante, estudo de historiador austríaco traça as origens da desigualdade, da pré-história a nossos dias.
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A cilada da meritocracia. Daniel Markovits.
Trad. Renata Guerra • Intrínseca • 528 pp • R$ 79,90
Para o professor de direito na Universidade Yale, a meritocracia (que recompensa os mais esforçados e habilidosos) é a principal responsável pelo aumento da desigualdade, distanciando as elites — cada vez mais hiperqualificadas e sobrerremuneradas — da classe média e dos pobres. A partir de uma análise da estrutura social dos Estados Unidos, ele critica as distorções do regime meritocrático e argumenta que é preciso desconstruir esse sistema, que vem corroendo o tecido social e democrático norte-americano — e encontra ecos em diversos países do mundo, incluindo o Brasil.
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Leia também: Arminio Fraga tenta persuadir tecnocratas e intelectuais de que reduzir a desigualdade é condição necessária para o crescimento.
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O vento mudou de direção: o Onze de Setembro que o mundo não viu. Simone Duarte.
Fósforo • 240 pp • R$ 69,90
A jornalista, que chefiava a redação da TV Globo em Nova York em 2001, relata os desdobramentos na vida de seis pessoas dos países arrasados pelas consequências dos atentados às Torres Gêmeas e de um jordaniano de origem palestina. A autodeclarada Guerra ao Terror promovida pelos Estados Unidos aumentou a radicalização religiosa e forçou milhões de pessoas a abandonar suas casas e fugir para outros países, aumentando ainda mais o preconceito em relação a muçulmanos e árabes. Como diz um deles: “Os americanos tiveram um Onze de Setembro, nós vivemos o nosso Onze de Setembro até hoje”.
Ouça também: o episódio do 451 MHz em que Simone Duarte divide os bastidores da cobertura dos atentados do 11 de Setembro e discute os acontecimentos recentes no Afeganistão.
Leia também: a resenha de Sérgio Dávila, diretor de redação da Folha de S.Paulo, sobre o livro de Duarte; e o relato de uma médica afegã sobre estar ou não estar no Afeganistão na retomada do país pelo Talibã.
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O drible da vaca. Mario Prata.
Pref. Juca Kfouri • Record • 384 pp • R$ 49,90
Marcando sessenta anos de sua carreira como escritor, Mario Prata escreveu um romance sobre o mito da origem do futebol na Inglaterra, na Universidade de Cambridge, em 1859, graças ao esforço do professor de educação física, John H. Watson — que na época ainda não era parceiro de Sherlock Holmes. Ele defendia a criação de um esporte novo, “que se passe em terra firme e não nas águas sujas do Tâmisa. Um esporte inusitado, espantoso, de equipe […]. Um esporte que una os jogadores e estes com a torcida. Que o povo se apaixone. União e paixão!”. O livro traz a personagem de Sarah Emily Davies, que realmente existiu: ela foi uma sufragista, comandava um jornal que debatia as questões da mulher e foi uma das fundadoras do Girton College.
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Roland Barthes: biografia. Tiphaine Samoyault.
Trad. Regina Salgado Campos e Sandra Nitrini • Editora 34 • 616 pp • R$ 98
A professora de literatura na Universidade de Paris 3 reconstitui a trajetória do célebre escritor, sociólogo, semiólogo, crítico literário e filósofo francês Roland Barthes (1915-80). Com base em materiais inéditos (arquivos, diários e documentos pessoais), a autora descreve a infância e juventude de Barthes — marcadas pela morte do pai e pelos graves problemas de saúde que interromperam sua formação escolar, além da descoberta precoce da homossexualidade —, a posterior retomada de seus estudos, as primeiras publicações e suas grandes obras.
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Uma tristeza infinita. Antônio Xerxenesky.
Companhia das Letras • 256 pp • R$ 64,90
O quarto romance do escritor gaúcho narra a história de um jovem psiquiatra francês que vai trabalhar em uma clínica dos Alpes suíços logo após a Segunda Guerra Mundial e entra em conflito com seus superiores porque prefere conversar com os pacientes a prescrever tratamentos de choque. À Quatro Cinco Um, Xerxenesky diz que a obra tem muitos paralelos com o Brasil de hoje: “Como lidar com o fato de a maioria ter aprovado, e muitos continuarem aprovando, um projeto de morte e destruição? Senti que falar disso diretamente seria quase jornalístico, então pensei em narrar uma história passada num universo tão distante para falar de hoje”. Leia a entrevista.
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Sira. María Dueñas.
Trad. Sandra Martha Dolinsky • Planeta • 480 pp • R$ 69,90
Há doze anos, María Dueñas lançava O tempo entre costuras, que rapidamente se tornou um dos livros mais vendidos da literatura espanhola contemporânea, virou série de TV aclamada na Espanha e foi traduzido para mais de trinta idiomas — só no Brasil, vendeu 200 mil exemplares. Agora, a autora retoma a história da personagem Sira Quiroga, uma costureira ingênua que trocou Madri por Marrocos às vésperas da Guerra Civil Espanhola. No novo romance, que começa após o fim da Segunda Guerra Mundial, Sira, que foi colaboradora do Serviço Secreto britânico, tenta reconstruir a vida com seu filho em aventuras que a levam de Jerusalém a Londres, Madri e Tânger.
Leia também: Primeira mulher a ganhar o prêmio Cervantes, a escritora e filósofa espanhola María Zambrano tem seu primeiro livro publicado no Brasil.
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Malcolm X fala. George Breitman (org.).
Trad. Marilene Felinto • Apres. Preta Ferreira • Ubu • 304 pp • R$ 59,90
O volume reúne discursos, cartas e entrevistas concedidas por Malcolm X de 12 de março de 1964 até o seu assassinato, em 21 de fevereiro de 1965, que expõem o núcleo de seu pensamento. Diferentemente dos grupos que pregavam a não violência, Malcom X defendia a autodefesa contra os linchamentos, as humilhações e a injustiça social. Inspirado nas guerras pela independência nos países africanos, que não se furtavam à luta com derramamento de sangue, ele sustentava que “é criminoso ensinar um homem a não se defender quando é vítima constante de ataques brutais”.
Trecho do livro: “Eu não sou violento com aqueles que não são violentos comigo. Mas, quando jogam essa violência para cima de mim, aí eu fico louco e já não sou responsável pelo que faço. É assim que todo negro deve atuar. Sempre que você souber que está dentro da lei, dentro dos seus direitos legais, dentro dos seus direitos morais, de acordo com a justiça, morra por aquilo em que acredita. Mas não morra sozinho. Que sua morte seja recíproca. É isso o que se entende por igualdade. É olho por olho e dente por dente”.
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Hello, Brasil! e outros ensaios: psicanálise da estranha civilização brasileira. Contardo Calligaris.
Pref. Lilia Moritz Schwarcz • Fósforo • 320 pp • R$ 69,90/44,90
Lançado em 1991 pelo psicanalista italiano de formação lacaniana Contardo Calligaris, que morreu em março aos 72 anos, o livro utiliza os conceitos freudianos para explicar os traços culturais do Brasil, como a tradição do “jeitinho” e da malandragem, as preferências dos criminosos brasileiros e a função das babás. Mostra também o peso que a herança escravocrata e a tradição extrativista da colonização portuguesa tiveram sobre a consciência coletiva do país. A edição traz um prefácio inédito de Lilia M. Schwarcz.
Trecho do livro: “As elites (econômicas) brasileiras abraçaram, tradicionalmente, o projeto original de colonização portuguesa, que planejava, em essência, espoliar o país. Portanto, elas sempre se viram como pessoas que vinham de outro lugar e pertenciam a outro lugar. Elas certamente pertenceram à Europa (Lisboa, Paris e Londres) por um longo período. E agora elas pertencem aos Estados Unidos […]. Nenhuma lágrima deve ser derramada, porque, na essência, nada mudou para o Brasil: suas elites ainda se veem essencialmente como estrangeiras, e é no exterior que elas se divertem, investem, gastam e aproveitam a vida”.
Ouça também: episódio do podcast 451 MHz homenageia Contardo Calligaris, com participação de Maria Homem, viúva de Contardo e também psicanalista.
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Matéria publicada na edição impressa #49 em julho de 2021.
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