A Feira do Livro,

Sábado n’A Feira do Livro teve mesa sobre Fernando Pessoa, debate sobre autocracia, leitura de poema inédito e fila de autógrafos recorde de Ana Maria Gonçalves e Itamar Vieira Junior

Quarto dia de evento recebeu convidados como Txai Suruí, Jerá Guarani, Antônio Xerxenesky, Samir Machado de Machado e Fatima Daas

11jun2023 | Edição #70

O quarto dia d'A Feira do Livro começou com uma conversa entre duas jovens lideranças indígenas na mesa Os territórios, que abordou um tema incontornável: a tese de que os povos indígenas só têm direito às terras que ocupavam em 1988, no momento da promulgação da Constituição. Txai Suruí, do povo paiter suruí de Rondônia, e Jerá Guarani, do povo guarani m'byá da cidade de São Paulo, conversaram com o jornalista Bernardo Esteves sobre o assunto. Jerá convidou os jurua (não guaranis, na língua guarani) a buscarem na internet sobre o marco temporal e também sobre as terras indígenas, para ver nos mapas que “onde tem terra indígena, tem mato”.


A líder indígena e escritora Txai Suruí [Sean Vadaru/Divulgação]

 

Na mesa Literatura e alfabetização: ampliando possibilidades, as pedagogas Silvia Colello e Priscila de Giovani e a autora de livros infantojuvenis Patricia Auerbach discutiram estratégias para que o encantamento da literatura atinja todas as partes do sistema educacional e alavanque a literatura nas salas de aula, construindo diálogos entre professores e alunos. “É preciso ler para professores e educadores, para que eles possam ler para os alunos; é preciso que sejam ouvidos para poder oferecer um lugar de escuta e de diálogo em sala de aula”, disse Auerbach.


As escritoras Geni Guimarães e Eliane Marques [Sean Vadaru/Divulgação]

Em um encontro carregado de emoção, as ficcionistas Geni Guimarães e Eliane Marques, representantes de duas gerações de escritoras negras, falaram na mesa Louças de família sobre infância, família e processos criativos, e leram trechos de alguns de seus livros. Guimarães ainda leu um poema inédito que havia criado no dia anterior.


O jornalista e professor Eugênio Bucci [Divulgação]

Na mesa A incerteza da era digital, o jornalista Eugênio Bucci conversou com Beatriz Muylaert, editora da Quatro Cinco Um, sobre os perigos da não regulação das mídias digitais para as democracias. “Hoje quem faz a fiscalização, quem vigia a vida do outro são as próprias pessoas. O Grande Irmão é o seu vizinho, é você mesmo. O exibicionismo, o narcisismo, tudo isso trabalha de graça para essa ordem”, disse Bucci.


Os músicos Arthur Nestrovski e Celsim [Sean Vadaru/Divulgação]

No Interlúdio Musical, Arthur Nestrovski e Celsim destrincharam o canto, o violão e o projeto de canção de João Gilberto com reflexões sobre as inovações trazidas pelo cantor baiano para a MPB exemplificadas por interpretações de alguns clássicos do repertório de João na voz de Celsim e no violão de Nestrovski.


O escritor Richard Zenith [Sean Vadaru/Divulgação]

Um dos maiores nomes da literatura em língua portuguesa, Fernando Pessoa não teve uma profissão, trabalhou como freelancer a vida toda, era tímido e reservado e quase certamente morreu virgem. Sua vida interior, no entanto, era riquíssima, segundo Richard Zenith, um dos maiores especialistas na vida e obra do escritor e autor de Pessoa, uma biografia (Companhia das Letras), que falou sobre o poeta na mesa As mil vidas de Fernando Pessoa.


Os escritores e tradutores Antônio Xerxenesky e Samir Machado de Machado [Divulgação]

Na mesa O mal-estar do passado, Antônio Xerxenesky e Samir Machado de Machado discutiram seus últimos romances — Uma tristeza infinita (Companhia das Letras) e O crime do bom nazista (Todavia) —, ambos perpassados pela Segunda Guerra Mundial e pelos fortes paralelos do nazismo com o governo Bolsonaro. A conversa foi mediada por Marília Kodic, editora da Quatro Cinco Um. “A literatura não muda o mundo, mas pode mudar a cabeça de alguém que muda o mundo”, disse Xerxenesky. “O romance de entretenimento pode ser potente em termos políticos”.


Os escritores Fatima Daas e Diogo Bercito [Sean Vadaru/Divulgação]

O país da “igualdade, liberdade e fraternidade” não é tão igualitário, livre e fraterno como todos pensam. Foi essa a imagem da França que emergiu da mesa Filhos da diáspora, em que Fatima Daas, autora de família argelina nascida em Paris, e Diogo Bercito, jornalista, escritor e pesquisador, falaram sobre literatura, imigração e identidades LGBTQIA+, com mediação da jornalista Paula Carvalho, editora de podcasts da Quatro Cinco Um.


O jornalista Conrado Corsalette com os pesquisadores Marina Slhessarenko Barreto, Fernando Romani Sales e Mariana Celano de Souza Amaral [Divulgação]

Na mesa O caminho da autocracia, homônimo do livro recém-lançado pela Tinta-da-China Brasil, os pesquisadores do Laut (Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo) Marina Slhessarenko Barreto, Fernando Romani Sales e Mariana Celano de Souza Amaral analisaram as principais táticas utilizadas por líderes autocratas para tomar o poder ao redor do mundo, como a violência e a manipulação do direito e da ordem jurídica, e apontaram os três pilares por meio dos quais se instaura a autocracia: a educação, a segurança e o espaço cívico.


Os escritores Ana Maria Gonçalves e Itamar Vieira Junior [Sean Vadaru/Divulgação]

O dia terminou com uma das mesas mais esperadas d’A Feira do Livro 2023, um encontro de Ana Maria Gonçalves e Itamar Vieira Junior, que contaram de onde vêm suas obras e o que ainda precisa ser contado. Em uma conversa mediada pela jornalista Adriana Ferreira Silva, os escritores também falaram sobre seu processo de escrita e suas relações com personagens de Um defeito de cor e de Salvar o fogo. A reedição de dezesseis anos do livro de Gonçalves e o lançamento de Vieira Junior renderam a maior fila de autógrafo do festival.

Eles também pontuaram a importância de contar histórias por séculos silenciadas, com Gonçalves afirmando escrever os livros que não achou para ler e Vieira Junior lembrando como a chegada de Um defeito de cor, lançado há 17 anos, foi transformador para ele. Para Gonçalves, o que faz livros como Torto Arado ou Um defeito de cor serem tão verdadeiros é a capacidade de explicar o país com essa arma tão forte que é a literatura.

A Feira do Livro acontece de 7 a 11 de junho na praça Charles Miller, no Pacaembu, em São Paulo.

Matéria publicada na edição impressa #70 em maio de 2023.