A Feira do Livro, Literatura,
Legado de Baldwin mescla ativismo e romances, defendem pesquisadores
Para Evandro Cruz Silva e Ronaldo Vitor da Silva, relevância do escritor americano vai além da figura de pensador das relações raciais
04jul2024 • Atualizado em: 10jul2024Num encontro d’A Feira do Livro que discutiu o legado de James Baldwin, dois pesquisadores da obra do autor de Notas de um filho nativo apontaram que é um equívoco deixar seus romances e escritos de ficção serem ofuscados. No entanto, diante da enorme figura de ativista político e pensador das relações raciais construída por seus ensaios e eloquência pessoal, isso é algo que eles têm visto acontecer.
“Quando Baldwin é colocado hoje como intelectual público, o romancista é posto de lado. É uma falha, Baldwin mescla as duas coisas”, defendeu o professor e pesquisador de relações raciais Ronaldo Vitor da Silva na mesa “James Baldwin, 100”.
A conversa, que aconteceu nesta quarta (3), prestou uma homenagem ao escritor americano cujo centenário se completa em 2024 e contou ainda com o sociólogo e escritor Evandro Cruz Silva e mediação do jornalista Jefferson Barbosa, um dos fundadores dos coletivos Perifa Connection e Voz da Baixada, no Rio de Janeiro.
Para os debatedores, vídeos, fotografias e discursos de Baldwin que circulam hoje em dia nas redes sociais são uma faceta sedutora, porém incompleta, do escritor. “É uma peculiaridade ter tanto material audiovisual sobre um autor, geralmente os escritores fogem das câmeras”, comentou Evandro Cruz Silva.
Mais Lidas
Ele lembrou que dois filmes com o próprio Baldwin foram feitos sobre o norte-americano enquanto ainda estava vivo — Un Étranger dans le village, de 1962, dirigido por Pierre Koralnik; e Meeting the Man: James Baldwin in Paris, de 1970, com direção de Terence Dixon — e podem iluminar uma compreensão com mais nuance da trajetória dele. “Enquanto no primeiro a câmera segue e mostra Baldwin o tempo todo, no segundo ele muitas vezes aparece quase fora de quadro.”
A diferença seria, acredita o pesquisador, um reflexo de como o ativismo público sobre as questões raciais comprometeu a imagem de Baldwin nos círculos intelectuais dos Estados Unidos. “Ele foi muito bem recebido enquanto não se posicionou politicamente e muito mal recebido quando se posicionou”, avalia Evandro Cruz.
Na visão de Ronaldo Vitor, o grande interesse por Baldwin se deu em ondas. A primeira foi consequência da publicação, em vida, de romances como O quarto de Giovanni. A segunda, depois de sua morte em 1987, quando emergiu mais a figura do ensaísta.
Interesse renovado
Agora, na esteira de movimentos como o Black Lives Matter e a reação ao assasinato de George Floyd, “temos uma retomada de suas palavras vorazes como se fossem combustível da luta contemporânea”, disse o pesquisador, que assina o posfácio da nova edição de Da próxima vez, o fogo, de volta às livrarias este mês pela Companhia das Letras, em tradução de Nina Rizzi.
Publicado em português no longínquo ano de 1967 pelo selo Biblioteca Universal Popular, da Editora Civilização Brasileira, o volume reúne uma carta de Baldwin a um sobrinho e um ensaio sobre sua formação religiosa protestante. Nos textos, ele reflete sobre os embates acerca dosdireitos civis e da segregação racial nos Estados Unidos.
Apesar de escrever a respeito da experiência racial americana e do seu ponto de vista particular de “filho bastardo da América”, como uma vez se definiu, Baldwin fala de questões universais que sensibilizam e mobilizam, destacou Barbosa. Para os convidados, essa capacidade também está presente na sua escrita ficcional e não pode ser menosprezada.
Questionados sobre até que ponto a experiência pessoal de uma pessoa negra influencia sua escrita, Ronaldo Vitor e Evandro Cruz disseram considerar o interesse por essa condição um reflexo do racismo.
“A condição de escritor negro é um tema de toda a literatura negra. É uma pergunta que atormenta, e na verdade [o que se está perguntando] é ‘como é ser negro?’. Tenho certeza que é uma inquietação de todas as pessoas negras que escrevem”, disse Evandro Cruz, que estreou no romance neste ano com O embranquecimento (Patuá). “No próprio mercado editorial, pessoas negras podem participar enquanto negras, enquanto os brancos podem [participar] como qualquer outra coisa.”
Ronaldo Vitor recorreu ao próprio Baldwin na sua resposta. “Para ele a escrita é uma forma de superação da condição em que se vê por causa da segregação e do racismo. O racismo é um balizador de humanidade na sociedade e o argumento final de Baldwin é a busca pela humanidade.”
A Feira do Livro 2024
29 jun.—7 jul.
Praça Charles Miller, Pacaembu
A Feira do Livro é uma realização da Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos voltada para a difusão do livro no Brasil, e da Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais. O patrocínio é do Grupo CCR, do Itaú Unibanco e Rede, por meio da Lei de Incentivo à Cultura, da TV Brasil e da Rádio Nacional de São Paulo.
Peraí. Esquecemos de perguntar o seu nome.
Crie a sua conta gratuita na Quatro Cinco Um ou faça log-in para continuar a ler este e outros textos.
Ou então assine, ganhe acesso integral ao site e ao Clube de Benefícios 451 e contribua com o jornalismo de livros independente e sem fins lucrativos.